Cansaço eleitoral e instabilidade política vão a votos no regresso espanhol às urnas

Quartas legislativas em quatro anos e segundas em sete meses apontam para nova vitória do PSOE, sem maioria. Crise catalã e flutuação do voto à direita são novidades numa eleição que pode terminar em novo bloqueio político.

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Pedro Sánchez é o favorito à vitória, mas o PSOE não deve conseguir maioria EPA/DOMENECH CASTELLO

Espanha está farta das urnas, mas é com elas que tem mais um encontro marcado, este domingo, o quarto desde Dezembro de 2015 e o segundo desde Abril deste ano, isto referindo apenas as eleições legislativas. É, por isso, um país cansado, politicamente bloqueado e a sofrer mais do que gostaria com as dores de crescimento provocadas pela evolução vertiginosa do bipartidarismo para o pentapartidarismo, aquele que vai de novo a votos para tentar ultrapassar o impasse político trazido da última eleição. 

Mas que dificilmente conseguirá um desfecho diferente. Os líderes partidários não mudaram, as sondagens apontam o mesmo favorito – o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) –, nenhum dos blocos conseguirá chegar aos 176 deputados necessários para ter maioria no Congresso dos Deputados e estão apenas previstas flutuações de votos expressivas entre os três partidos à direita. Uma vez mais, será preciso alguém ceder para Espanha ter Governo.

O cenário é de fadiga eleitoral e essa fadiga afectou toda a gente. Durante a semana que agora termina – a única de uma campanha enfastiante – eleitores, candidatos, meios de comunicação social e analistas espanhóis não ofereceram ao tema o entusiasmo de outros tempos. Uma situação atípica, num país tradicionalmente seduzido pelo debate e politicamente mais diversificado do que nunca. 

Mas que espelha bem o seu desencantamento com – e nunca é demais reforçar – a necessidade de ter de disputar as quartas legislativas em quatro anos e as segundas em sete meses, com europeias, municipais e regionais pelo meio.

“Temos tido eleições para todos os níveis da governação, é natural que toda a gente esteja cansada e que a apatia cresça”, admite ao PÚBLICO José Rama, investigador de Ciência Política da Universidade Autónoma de Madrid. “As pessoas sentem que já deram o seu veredicto em Abril. E massivamente – a participação chegou aos 75%. Não compreendem que, por causa de guerras partidárias e disputas políticas, tenham de regressar às urnas”.

Assim sendo, o que falhou? A falta de entendimento e a inflexibilidade entre os líderes políticos primeiro que tudo, bem como o descostume espanhol em ter Governos de coligação, refere Rama. E ainda as dificuldades de adaptação do regime bipartidário à consolidação de novos actores políticos, nomeadamente o Podemos, o Cidadãos e o Vox.

“Depois das últimas eleições, Espanha tinha um cenário incrivelmente favorável para ter um Governo. PSOE e Unidas Podemos tentaram insistentemente um acordo à esquerda, mas falharam por divergências entre as lideranças, por causa de nomes e de incompatibilidades. PSOE e Cidadãos eram a solução mais estável, mas também falharam porque Rivera inventou um cordão sanitário”, diz o politólogo. “Foram a falta de tradição espanhola em ter governos de coligação e as quezílias entre os líderes políticos que nos atiraram para este bloqueio”.

PSOE à frente, direita dividida 

Segundo as últimas sondagens, os socialistas vão voltar a vencer as eleições, sem maioria. Mesmo tendo reorientado o seu discurso para o centro e endurecido a sua posição no conflito catalão – reacendido com a as condenações do Supremo Tribunal aos dirigentes independentistas –, não se prevê que possam se altere significativamente a sua representação parlamentar – elegeu 123 deputados em Abril. 

O segundo lugar será ocupado pelo Partido Popular (PP), que depois na participação desastrosa na última votação nacional (66 deputados), moderou a mensagem e deverá ultrapassar os 90 lugares no Congresso, consolidando-se como principal força da oposição.

A ressurreição política de Pablo Casado, líder popular, acontece, em grande medida, às custas do Cidadãos, que há sete meses teve o melhor resultado de sempre numas legislativas, mas que, fruto de uma rejeição inflexível a Pedro Sánchez, e de uma estratégia errática do seu dirigente máximo, Albert Rivera, que indignou a ala liberal do partido, corre agora o risco de ficar apenas com 14 dos seus 57 deputados, de acordo com as projecções da empresa 40dB. 

O outro beneficiário do descalabro do partido liberal deve ser o Vox. Galvanizado pelas cenas de violência na Catalunha, pelos protestos em redor da exumação do corpo do ditador Francisco Franco e pelo fracasso das negociações dos últimos meses entre os “partidos do sistema”, a plataforma de extrema-direita sonha com a terceira posição no Congresso e com um aumento dos actuais 24 deputados para 50.

À esquerda também haverá flutuação de votos, mas menos expressiva que à direita. A estreia do Mais País, do ex-podemita Íñigo Errejón, promete roubar alguns votos à coligação Unidas Podemos, de Pablo Iglesias, que, por sua vez, pode vir a perder quase dez deputados – actualmente tem 42.

Cedências ou nada

Fazer previsões sobre futuras combinações políticas a partir de um quadro eleitoral tão pouco esclarecedor e tendo em conta as posições e aos anticorpos dos partidos, em relação a uns e a outros, pode parecer demasiado arriscado. José Rama atreve-se, mas realça que qualquer solução implicará, sempre e em qualquer caso, enormes cedências.

“O bloco à esquerda teria sempre de integrar a Esquerda Republicana Catalã e outros partidos independentistas, um cenário que, depois de conhecida a sentença do procés, é hoje muito mais complicado do que era há uns meses”, refere o politólogo. “A outra solução seria um dos grandes partidos facilitar a investidura do outro. No caso concreto, o PP abster-se para viabilizar um governo minoritário socialista”.

Esta última hipótese é, na verdade, a que mais agrada a Sánchez, e no único debate televisivo entre líderes, que contou com os cinco dirigentes dos principais partidos, o presidente do Governo em funções implorou aos restantes que permitam que a força política mais votada possa ser investida. Na altura ninguém respondeu. Alguém morderá o isco ao final da noite?

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