Património, touradas e contratações marcam debate sobre orçamento da Cultura

Graça Fonseca, Ângela Ferreira e Nuno Artur Silva foram ao Parlamento discutir propostas do OE2020 e anunciaram 82 entradas nos quadros e um novo programa de revitalização para o património. Subida do IVA das touradas foi o tema que mais agitou as bancadas.

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A equipa governativa da Cultura esta manhã no Parlamento: Nuno Artur Silva, Ângela Ferreira e Graça Fonseca JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA
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A ministra Graça Fonseca, na manhã desta segunda-feira no Parlamento JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

O património, o modelo de apoio às artes e a política para o audiovisual dominaram, como era previsível, a audição parlamentar da equipa do Ministério da Cultura esta segunda-feira, mas um outro tema tão ou mais fracturante, o das touradas, acabou por intrometer-se no alinhamento do debate sobre o orçamento para 2020 da área tutelada por Graça Fonseca. Chamada a defender o investimento do Governo no sector, que expurgado do que diz respeito à comunicação social não irá além dos 0,28% do Orçamento Geral do Estado, a ministra tirou da manga um novo programa plurianual de reabilitação e revitalização para o património classificado e anunciou ainda, após a insistência da deputada comunista Ana Mesquita, “a entrada de 82 pessoas para os quadros”, fundamentalmente na área do património.

Antes, na sua intervenção inicial, a ministra reiterara o objectivo de fazer o investimento público na Cultura atingir, até ao final da legislatura, “2% da despesa discricionária do Estado” – uma percentagem indexada a um valor de despesa mais difícil de objectivar, a que os partidos da esquerda parlamentar contrapuseram a clássica reivindicação do 1% do Orçamento do Estado e a dura realidade dos actuais 0,28%, isto apesar de se registar “um inédito excedente orçamental”.

Graça Fonseca argumentou ainda nessa primeira declaração que “o investimento em Cultura, considerando apenas as despesas gerais do Estado, aumentou 50%” desde 2015, mas guardaria para meio da audição as novidades sobre o reforço dos quadros do sector, em que todos admitem que a escassez de recursos humanos subiu a níveis preocupantes. Às 82 contratações já previstas, disse, poderão somar-se mais algumas entradas decorrentes do concurso com que o Estado pretende reforçar a administração pública com um novo contingente de mil técnicos superiores. E também a Cinemateca Portuguesa “vai abrir concursos externos” depois de ter visto os procedimentos internos de recrutamento dentro do universo da função pública ficarem vazios, dada a especificidade das funções que procura.

Entre críticas à ineficácia do modelo de apoio às artes pela sistemática exclusão de uma parte do sector artístico e reparos à “suborçamentação” e à “subexecução orçamental” que caracterizaram a anterior legislatura, acabou por ser a subida do IVA a causar o maior pico de agitação nas bancadas. Levantado pelo PSD, que considerou a medida um acto de “discriminação fiscal” e de “censura ilegal”, e pelo CDS-PP, que instou a ministra a esclarecer se esta medida é apenas um passo intermédio para a desqualificação da tauromaquia como manifestação cultural, o tema acabou por “marcar a manhã”, como notou ironicamente Graça Fonseca.

A ministra conseguiu esquivar-se das perguntas mais directas da direita – “É uma questão civilizacional?”, quis saber a deputada popular Cecília Meireles, aludindo à palavra usada por Graça Fonseca em Outubro de 2018 e que até dentro do PS geraram divisão, e questionando se está “em cima da mesa a proibição das touradas” – mas também às interrogações do PAN, que através da deputada Inês Sousa Real exigiu mais fiscalização de uma actividade que considerou “anacrónica e lesiva do bem-estar animal”. A deputada pediu ainda o fim da transmissão das corridas de touros na RTP.

Graça Fonseca, que no passado já foi bem mais directa sobre o tema, limitou-se a repetir dois argumentos, evitando afirmações mais taxativas: “A posição do Governo não é novidade. O que é novidade é a proposta de descida do IVA para os museus e monumentos municipais.”

Um plano para o património

Foi porém na área do património que a ministra da Cultura tentou centrar as atenções esta manhã. Coube à secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural, Ângela Ferreira, detalhar o programa de investimento a dez anos que já está em curso, com o levantamento das necessidades dos 43 imóveis sob alçada Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) e das direcções regionais de Cultura. “Estará concluído no final de Fevereiro”, prometeu. Para o efeito, o Estado procurará fontes de financiamento alternativas, incluindo a já anunciada Lotaria do Património, “que está a ser desenvolvida em articulação com a Segurança Social”, e o “mecenato privado”. A ministra anunciou ainda a criação de uma “plataforma nacional de empresas” aliadas da cultura, de modo a “alterar o paradigma” da relação dos cidadãos e do sector privado com o património. 

Entre os investimentos já iniciados e que estarão concluídos em 2020, ministra e secretária de Estado assinalaram o restauro dos carrilhões da Basílica de Mafra, a criação do Museu do Tesouro Real, a intervenção de emergência no Convento da Saudação, em Montemor-o-Novo, a reconversão integral da Fortaleza de Peniche no novo Museu Nacional Resistência e Liberdade, a instalação do Museu Nacional da Música no Palácio Nacional de Mafra, a abertura do centro interpretativo da Fortaleza de Sagres, as obras nas igrejas de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, e de Santa Clara, no Porto, ou a conservação das reservas arqueológicas e museológicas do Mosteiro de São Bento de Cástris.

Também em resposta a uma pergunta de Ana Mesquita, Graça Fonseca garantiu que até ao final do trimestre abrirão todos os concursos para directores de museus, monumentos e palácios nacionais, admitindo a necessidade de incrementar “o emprego científico na Cultura” e reconhecendo as brechas que se abriram nos equipamentos tutelados pela Direcção-Geral do Património Cultural, nomeadamente na área da conservação. 

Frisando o olhar transversal sobre o território que orienta a actual política cultural, a ministra anunciou ainda que o primeiro semestre deste ano servirá para regulamentar, “em diálogo com as entidades no terreno”, os termos em que funcionará a Rede de Teatros e Cine-teatros aprovada no final de 2019. Até ao final de 2020, garantiu, estarão definidas as medidas concretas que só no próximo ano terão “impacto orçamental”.

Também numa espécie de pousio estará este ano o modelo de apoio às artes, outro tema muito brandido esta manhã pelas bancadas dos partidos, e que em 2018 e 2019 foi um dos principais focos de contestação ao Ministério da Cultura. Sem muito a acrescentar em relação à última ida ao Parlamento, em Dezembro, Graça Fonseca revelou que já se reuniu com 17 das estruturas excluídas, por falta de verba disponível, dos apoios bienais.

“Reuniões muito produtivas” nas quais diz ter sido “possível encontrar algumas vias de solução e estratégia para o futuro”, nalguns casos em nome do papel “estruturante” dos projectos agora excluídos do financiamento da Direcção-Geral das Artes. A ministra deixou bem claro que não está em cima da mesa uma alteração de fundo ao actual modelo, e muito menos a supressão dos concursos com júris independentes, mas reafirmou a abertura a “mudanças”, considerando que esta é altura certa para as fazer: “Não podemos estar a colocar tudo em causa, as estruturas não aguentam. Temos de ter estabilidade.”

Apesar de esperada, a resposta não contentou a esquerda, que insistiu na necessidade de reforçar a dotação dos concursos. “O caos burocrático nos concursos serve para disfarçar a insuficiência do financiamento”, argumentou a bloquista Beatriz Dias Gomes. A seguir, Ana Mesquita seria mais dura, considerando que o actual modelo é “iníquo” e “devia ter como destino o caixote do lixo”.

Quanto às obras no Teatro Nacional São Carlos (TNSC), anunciadas em 2019, Graça Fonseca adiantou que “estão em curso empreitadas no valor de 2,8 milhões de euros que estarão concluídas no final deste ano”. Em Junho de 2019, em plena greve dos trabalhadores do Organismo de Produção Artística (Opart), entidade responsável pela gestão conjunta do TSNC e da Companhia Nacional de Bailado, o Governo anunciou três milhões para obras no teatro. Decorrem também, e segundo a ministra “com bastante tranquilidade”, as negociações entre o novo conselho de administração do Opart e os sindicatos para aprovação do regulamento interno e do acordo de empresa do organismo.

A “directiva Netflix”

A segunda metade do debate foi marcada por uma atenção crescente à comunicação social. Entre múltiplas perguntas sobre os contratos de concessão da RTP e da Agência Lusa e sobre os seus trabalhadores precários, foi também pedida agilidade na transposição da Directiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual (2018/1808), conhecida como “directiva Netflix”. O prazo para a transposição das regras comunitárias, que entre outras medidas prevêem o contributo das plataformas de streaming para a produção local de cinema e televisão e o pagamento de taxas, termina a 19 Setembro e a ministra quer que a sua adequação à lei portuguesa “beneficie e traga vantagens para esses sectores em Portugal”.

O seu novo secretário de Estado do Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva, reagiu positivamente à proposta do Bloco de Esquerda noticiada pelo PÚBLICO na semana passada que prevê incluir o streaming nas obrigações de investimento e repor os valores originais das taxas anuais pagas pelos operadores ao Estado. Mas com condições. “É uma oportunidade que não desperdiçaremos, mas não faz sentido para nós avançarmos com um valor e uma medida exclusivamente financeira visto que a directiva tem uma amplitude muito maior”, disse o secretário de Estado. A directiva, afirmou, está já a ser discutida com todo o sector.

Nuno Artur Silva disse ainda que o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) deve abrir os concursos de apoio ainda este trimestre; descreveu a situação do ICA como “bastante estável” e prometeu “começar a negociar o novo plano estratégico” do organismo – o mais recente diz respeito ao período 2014-2018. com Inês Nadais

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