Índia retira teoria da evolução de Darwin dos manuais escolares. E os cientistas criticam

Mais de 4000 cientistas e educadores na Índia condenam responsáveis do Governo indiano da direita conservadora pela retirada das observações de Charles Darwin dos livros do 9.º e 10.º ano.

Foto
O Governo de Narendra Modi é acusado de contribuir para os alunos indianos perderem "uma parte crítica da aprendizagem" JAGADEESH NV/EPA

O Governo indiano retirou a teoria da evolução de Charles Darwin dos livros do 9.º e 10.º ano de escolaridade, privando milhões de estudantes de uma das teorias basilares da ciência moderna. Em resposta, mais de 4000 cientistas e educadores já assinaram uma carta aberta promovida pelo grupo Breakthrough Science Society, uma organização indiana sem fins lucrativos dedicada à promoção da ciência, e lançada a 20 de Abril.

Ao retirar as páginas sobre a evolução, os estudantes só poderão aprender sobre os fundamentos da evolução das espécies no 12.º ano – isto, caso escolham um percurso associado à biologia ou à história. O ensino na Índia torna-se especializado no 11.º ano. Até aí, os patamares educativos são transversais a todos os estudantes.

“Na actual estrutura educacional, apenas uma pequena fracção de estudantes escolhe o ramo científico no 11.º ou 12.º ano, e ainda menos estudantes escolhem biologia como uma das disciplinas de estudo. A exclusão de conceitos-chave do currículo até ao 10.º ano significa perder uma parte crítica da aprendizagem para a vasta maioria de estudantes ”, escrevem os autores na carta aberta.

As alterações aos livros escolares foram ditadas pelo Conselho Nacional de Investigação e Formação Educacional (NCERT, na sigla em inglês), entidade autónoma sob a responsabilidade do Governo indiano que decide em matéria de educação. O NCERT define o currículo e a matéria publicada nos manuais escolares do ensino primário ao ensino secundário na Índia, que envolve mais de 256 milhões de estudantes. A Índia tornou-se, no passado mês de Abril, o país mais populoso do mundo, chegando aos 1428 milhões de habitantes (e ultrapassando a China).

Foto
Exposição sobre Charles Darwin na Fundação Gulbenkian em 2009 a propósito dos 200 anos no nascimento do naturalista Daniel Rocha

Charles Darwin é uma figura central na ciência moderna – e com razões para tal. O seu livro A Origem das Espécies, publicado pela primeira vez em 1859, trouxe uma nova visão para a biologia e para o mundo através da observação: as espécies evoluem através da selecção natural.

“A compreensão do processo de evolução é também crucial na construção da natureza científica e uma visão racional do mundo. A forma como as observações minuciosas de Darwin e as suas percepções aguçadas o conduziram à teoria da selecção natural educa os alunos sobre o processo da ciência e a importância do pensamento crítico”, acrescentam os autores da carta aberta assinada por cientistas e educadores.

À revista Science, o biólogo Satyajit Rath mostra pouca esperança que a carta aberta tenha resultados. “Fará alguma diferença? Dado a trajectória do Governo da Índia nesta matéria, provavelmente não, pelo menos no curto prazo”, afirma o biólogo indiano.

Os ataques de Modi à ciência

Desde 2014, quando Narendra Modi se tornou primeiro-ministro indiano, que o Partido Bharatiya Janata (BJP, na sigla em inglês) tem procurado afirmar-se através de um discurso identitário hindu e nacionalista, com vários momentos contrários à ciência. O próprio Modi acentuou isso logo em 2014, quando afirmou que, há milhares de anos, os antepassados hindus já dominavam a genética reprodutiva e a cirurgia cosmética. Esta afirmação ressoa a crença de hindus nacionalistas de que muitas das descobertas da ciência moderna já existiam há milhares de anos na Índia antiga.

Em 2018, Satyapal Singh, ministro do Ensino Superior, afirmou que a teoria da evolução era “cientificamente errada” porque “nunca se tinha visto um macaco transformar-se em humano”. Além de não ser cientificamente errado e de existirem provas arqueológicas, genéticas e biológicas da evolução da nossa espécie ao longo de milhares e milhares de anos, este discurso cria uma ponte com outras rejeições da teoria da evolução por sectores religiosos – como cristãos nos Estados Unidos ou muçulmanos na Turquia.

O NCERT já tinha retirado a teoria da evolução dos exames finais e dos manuais escolares temporariamente, em 2021, dizendo que era com o intuito de aliviar a carga lectiva dos estudantes perante a pandemia da covid-19. Em 2022, a mesma instituição tinha publicado um documento no qual afirmava querer evitar conteúdo irrelevante no contexto actual, conforme cita a Science – numa afirmação entendida como uma referência à pandemia.

Em 2017, a organização Breakthrough Science Society apelou à condenação do discurso pela pseudociência promovido por alguns responsáveis do Governo indiano, depois de um workshop sobre astrologia que estava a ser divulgado.

Agora, a retirada da teoria da evolução de Charles Darwin do ensino transversal a todos os estudantes indianos está em marcha para o arranque do ano lectivo – que na Índia começa durante os meses de Abril e Maio.

Sugerir correcção
Ler 30 comentários