O Novo Banco faz do Governo a “Rainha de Copas” e do país “a chacota da Europa”

BE, mas também PCP, PEV, PSD e CDS, manifestou-se contra a venda do Novo Banco. Governo isolado a defender negócio, mas a esquerda esteve junta a lembrar responsabilidade do Governo anterior.

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Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda Rui Gaudencio

O debate desta quarta-feira no Parlamento não terá consequências práticas para o negócio da venda do Novo Banco à Lone Star, mas haverá consequências políticas. Se o afastamento do BE e do PCP face ao PS no que toca ao sistema bancário é um dado adquirido desde o início, a verdade é que a venda do Novo Banco suscita críticas violentas, com o Bloco a dizer que a realidade é um “desmentido” daquilo que o Governo promete e a exigir a Mário Centeno que traga a solução para ser votada no Parlamento. Foi um debate de BE-PCP-PEV contra a solução do Governo, uma variante ao habitual esquerda-direita dos últimos tempos.

No início do debate, que tinha sido pedido pelo BE, a deputada Mariana Mortágua lembrou que o Governo definiu três condições para o negócio, que passavam pela garantia de que o banco não ia ser liquidado; de que não haveria garantia de Estado; e que seriam exploradas todas as opções. “Cada uma destas certezas foi agora desmentida por quem as apresentou. À laia de justificação, o primeiro-ministro lembrou que não vivemos como a Alice no País das Maravilhas. Mas é o Governo que faz de Rainha de Copas, e aposta connosco uma corrida, sabendo que, neste lugar, por muito que se corra, nunca saímos do mesmo sítio”, disse.

O BE propôs este debate para defender a nacionalização do Novo Banco, mas foi num tom crítico e mais duro do que o habitual que Mariana Mortágua instou os deputados do PS a assumirem que este negócio vai ter consequências: “Não é demais exigir a clareza sobre as consequências das opções tomadas. E clareza é a coragem de assumir que este negócio vai ter, sim, elevados custos para os contribuintes”, defendeu. “Seremos a chacota da Europa, porque um país que se leve a sério jamais aceitaria isto – e até a Alice aprendeu que há jogos que são sempre para perder”.

Nas contas do BE, “no pior dos cenários, o Lone Star gasta mil milhões para ficar com um banco limpo e o Estado paga 7790 milhões para ficar sem banco nenhum”. Ora, perante estes números, o Bloco não tem dúvidas de que a melhor solução seria a nacionalização. “O BE não esconde os custos da sua opção nem empola os prejuízos das alternativas”.

A alternativa da nacionalização é rejeitada pelo PS. O deputado socialista Eurico Brilhante Dias justificou esta posição com a necessidade de retirar o país do Procedimento por Défice Excessivo. “Se tivéssemos tido uma solução de nacionalização, a dívida pública teria tido mais encargos, quando estamos todos a fazer um esforço para sair do Procedimento por Défice Excessivo, e dando indicações que estamos no bom caminho, reduzindo a dívida e o défice”. A nacionalização custaria, disse o deputado, “entre quatro a cinco mil milhões de dívida pública, que teriam de ser assegurados pelo Tesouro e o Estado tinha de ir aos mercados. Era um sinal muito errado que se dava”.

Uma posição que a deputada do BE recusou, dizendo que o deputado não pode colocar os portugueses entre duas opções. “Não diga que é a menos má, nem chantageie os portugueses para escolherem entre uma recuperação de rendimentos e um sistema bancário”, disse, acrescentando que o PS não pode recorrer ao passado para “justificar um mau negócio”.

Mais tarde ouviria pela boca do ministro das Finanças que uma integração do Novo Banco no Estado teria custos imediatos para os contribuintes, uma vez que os riscos estariam todos do lado do Estado. Centeno até admitiu que está não “é a solução perfeita”, mas “a melhor possível”.

Foi um debate em que a esquerda se opôs ao Governo, bem como a direita, mas não juntas. Nem se acusaram mutuamente. “Dizer que a venda é melhor que a nacionalização ou liquidação não é dizer que preferir a venda é aceitar qualquer negócio. Este é um mau negócio para o Estado”, defendeu o deputado do PSD Leitão Amaro, que acusou o Governo de ter a “palavra desonrada”, uma vez que, “afinal, há esforço e garantia dos contribuintes”. O Governo e maioria, acusou, “continuam a esconder esse esforço”. Além disso, o deputado acusou os partidos da esquerda de agora admitirem uma “reestruturação da dívida dos bancos em detrimento dos contribuintes”.

Também o CDS apontou as críticas aos partidos da esquerda. Cecília Meireles lembrou que o BE tinha defendido que tudo iria fazer para travar o negócio, e agora, perante o debate, percebe-se “que fazer tudo, para o BE, é fazer de conta que faz alguma coisa”.

O tiro fez ricochete. Como tinha sido o BE a pedir o debate, coube a Mariana Mortágua acabar o debate e, nessa intervenção, quase só respondeu aos dois partidos da oposição, perguntando qual é a alternativa que PSD e CDS querem agora. E acusou estes partidos de tentarem “lavar as mãos” de uma solução que "foi montada por Sérgio Monteiro, nomeado para o Fundo de Resolução pelo anterior Governo, foi montada por Carlos Costa, que ajudou o PSD e CDS a pensar este processo e foi reconduzido pelo Governo PSD/CDS”. “A incoerência está no PSD”, que antes defendia a venda e agora “atira culpas a toda a gente e depois finge que não sabe que injectou dinheiro e que tem co-responsabilidade”, atirou a deputada do BE.

O debate foi apenas de actualidade, sem qualquer projecto associado. O que existe, do PCP, ainda será debatido adiante. Contudo, o PCP também falou para lembrar que esta venda é “a solução do PSD e do CDS com a resolução do BES, que o PS decide agora concretizar”. O deputado Miguel Tiago ainda acrescentou, dirigindo-se ao ministro Mário Centeno: “Se é verdade que se parte de um ponto de partida péssimo, não é verdade que não haja outras soluções e que tenhamos de aceitar todas as receitas e imposições que vem da União Europeia, quando são manifestamente contrárias ao interesse nacional”.

O PEV assumiu posição semelhante. O deputado José Luís Ferreira defendeu que o Governo acabou por dar uma garantia ao fundo da Lone Star. “Pode não haver gato escondido, mas de que há garantia escondida com rabo de fora, parece não haver grandes dúvidas”.

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