Bancos obrigados a avaliar “legitimidade” do património para prevenirem lavagem de dinheiro

Instituições financeiras têm de fazer novas diligências se identificarem um risco maior de branqueamento de capitais. Uma delas passa por avaliar a “reputação” dos clientes.

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As instruções do Banco de Portugal são complementares à lei de combate ao branqueamento de capitais Rui Gaudêncio

Quando os bancos se confrontarem com uma operação financeira de maior risco de branqueamento de capitais, têm, a partir de agora, de obter informação adicional sobre a “origem e legitimidade do património” dos clientes em causa, a “legitimidade dos fundos envolvidos na relação de negócio” ou mesmo a “reputação” desses clientes.

As novas regras foram desenhadas pelo Banco de Portugal em complemento à lei de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, e entraram em vigor esta semana (na segunda-feira).

A lei de 2017 já obrigava os bancos — em complemento aos normais procedimentos preventivos de identificação e diligência de uma operação bancária — a adoptarem “medidas reforçadas” quando verificassem factores de risco acrescido (por exemplo, quando um cliente ou uma operação se relaciona com um país de um “nível significativo de corrupção”, se estiverem em causa serviços de private banking, transacções relacionadas com petróleo, operações que favoreçam o anonimato ou estruturas empresariais “excessivamente complexas”).

Como o supervisor bancário pode definir outras medidas além das que resultam daqui, o banco central actualizou as instruções que fez em 2018 e, agora, passou a elencar novos factores a ter em conta na classificação do risco de branqueamento de capitais e definiu as obrigações complementares que os bancos devem adoptar em função disso.

Quando os factores de risco são mais reduzidos, as acções preventivas poderão ser mais simples. Mas se o risco é “potencialmente mais elevado”, as obrigações já são outras. Exigem diligências adicionais. E um desses deveres é verificar a origem do património. Para isso, as entidades financeiras devem ponderar “a utilização” de meios comprovativos como as “declarações de rendimentos e, quando aplicável, de controlo da riqueza”, “relatórios de demonstrações financeiras ou certificação de contas elaborados por auditores independentes”, “recibos de vencimento”, “certidões extraídas de registos públicos”, “documento comprovativo de aquisição sucessória” e mesmo informações públicas, “incluindo a proveniente de órgãos de comunicação social, desde que de fonte independente e credível”.

A necessidade de os bancos aplicarem as medidas preventivas ganhou ênfase nos últimos anos com o peso das revelações financeiras e fiscais à escala global, do caso Swissleaks aos Panama Papers, passando pelo recente FinCEN Files ou pelos Luanda Leaks, que, centrados nas relações de negócio de Isabel dos Santos, colocaram um foco particular sobre Portugal.

As novas instruções do Banco de Portugal tiveram como base um documento que foi colocado em consulta pública entre 3 de Dezembro de 2019 e 16 de Janeiro de 2020, isto é, foram tornadas públicas pouco antes de eclodirem as revelações dos Luanda Leaks.

Lucro não influencia o risco

Uma novidade que já então estava no horizonte é a de que, entre os dados complementares a recolher, será preciso obter informação sobre a “reputação” dos clientes, dos seus representantes ou dos seus beneficiários efectivos.

O advogado especialista em direito fiscal Nuno Sampayo Ribeiro sublinha que as instruções agora conhecidas assimilam a ideia de que “a reputação deve prevalecer sobre o lucro”, pois o documento prevê que os bancos têm que garantir que “as considerações económicas ou relativas à obtenção de lucros não influenciam a notação de risco”. Depois, nos casos em que identifiquem um risco acrescido, terão de “aprofundar o conhecimento sobre o cliente, representante e beneficiário efectivo, consoante a situação, designadamente sobre a sua reputação”, saliente o fiscalista.

De acordo com as novas regras, se um cliente, um representante seu (incluindo quem esteja autorizado a movimentar as suas contas) ou o beneficiário efectivo tiver uma ligação a outras jurisdições, há três dados obrigatórios que um banco tem de obter informação: sobre “as relações” das pessoas com esses territórios; sobre a existência de “pessoas associadas que possam influenciar as suas operações”; e, “nos casos em que tenham sede ou domicílio noutra jurisdição”, informação sobre “o motivo pelo qual se pretende estabelecer uma relação de negócio ou realizar uma transacção ocasional fora da sua jurisdição de origem”.

Quando um banco está a avaliar se uma terminada situação obriga a tomar medidas reforçadas, deve ter em conta uma série de factores, desde os que são inerentes ao próprio cliente, ao produto financeiro ou à sua localização geográfica.

A lei prevê que os bancos tomem as tais medidas reforçadas se estiverem em causa operações que de algum modo se relacionam com países terceiros à União Europeia considerados pela Comissão Europeia como de risco elevado para a lavagem de dinheiro ou o financiamento de terrorismo (como as Baamas, o Panamá, o Irão, o Iraque, a Síria, a Jamaica ou o Uganda).

Além deste critério, o Banco de Portugal considera com factor de risco idêntico se estiverem em causa paraísos fiscais (do ponto de vista formal, “regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis”), jurisdições que não trocam informação financeira ao abrigo da Norma Comum de Comunicação desenvolvida pela Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico (OCDE), jurisdições sem registos “fiáveis e acessíveis de beneficiários efectivos” (de empresas ou outras entidades) ou “jurisdições identificadas por fontes idóneas e credíveis como apresentando sistemas judiciais ineficazes ou deficiências na investigação de crimes associados ao branqueamento de capitais ou ao financiamento do terrorismo”.

Relativamente ao tipo de operações ou serviços, as medidas reforçadas devem existir, por exemplo, quando as operações são feitas em “produtos de moeda electrónica ou outros instrumentos pré-pagos que permitem a transferência de fundos entre diferentes utilizadores”, quando os produtos de moeda electrónica não têm limitações relativamente ao “número ou montante dos pagamentos, carregamentos ou reembolsos permitidos” ou quanto ao “valor monetário armazenado electronicamente”.

O mesmo acontece se o banco identificar um “circuito de fundos com um número elevado de intermediários que operam em diferentes jurisdições” ou “créditos garantidos por bens que se encontram em jurisdições que dificultam ou impeçam a obtenção de informação relativa à identidade e legitimidade das partes envolvidas (e respectivos beneficiários efectivos) na prestação da garantia”.

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