Vítor Escária, chefe de gabinete de António Costa

Escária é um lobista, um facilitador e angariador de negócios que Costa acaba de colocar no coração do seu gabinete. É demonstrativo de uma continuidade preocupante com os tenebrosos anos 2005-2011.

  • Este texto foi publicado originalmente a 20 de Agosto de 2020

António Costa nomeou Vítor Escária como seu chefe de gabinete. A maior parte das notícias sobre a nomeação recordou que Escária se demitiu do governo em 2017, na sequência do caso Galpgate (ele e a mulher foram constituídos arguidos por causa das viagens oferecidas pela Galp ao Euro 2016, mas entretanto pagaram uma multa e não tiveram de ir a julgamento). Infelizmente, o Galpgate não é, nem de perto nem de longe, o mais grave problema desta nomeação.

Em bom rigor, há dúvidas de que Escária algum dia tenha deixado o governo e a assessoria informal de António Costa, mesmo após a sua demissão. Ele foi visto em 2018 a entrar no gabinete do primeiro-ministro (na altura, Costa garantiu que se tinha tratado apenas de “uma boleia”) e, já em Julho deste ano, posou numa foto de família ao lado de António Costa e do primeiro-ministro húngaro, Viktor Órban, durante uma reunião preparatória do Conselho Europeu que decidiu os valores da famosa bazuca. Onde há negócios, dinheiro e diplomacia económica, aí está Vítor Escária. Sempre foi assim e, pelos vistos, continua a ser, e de um modo que não poderia ser mais assumido – ao colocar Escária como seu chefe de gabinete, António Costa está a pôr os negócios e o dinheiro (neste caso, a enxurrada de fundos europeus) no centro do seu governo.

Num país desatento e sem memória, vale a pena recordar que Escária foi o mais destacado assessor económico de José Sócrates e o homem forte para a Venezuela durante os seus seis anos de governo. Após 2011, os contactos entre ambos continuaram, agora no sector privado, até à detenção de Sócrates, em 2014. Há figuras fundamentais nos bastidores dos partidos e do governo – como Escária ou Guilherme Dray –, cuja cara nós não conhecemos e que evitam aparecer nos jornais, mas que são o óleo na engrenagem do bas-fond político-empresarial, os facilitadores de negócios públicos e privados, sempre em nome, claro está, do “interesse nacional”.

Vítor Escária é citado 83 vezes na acusação da Operação Marquês. Foi ele o principal intermediário no negócio das casas do grupo Lena na Venezuela. Chegou a estar sob escuta, houve buscas a sua casa e foi ouvido como testemunha no processo. Não foi acusado de qualquer crime. Mas o que consta da acusação é suficientemente perturbante para qualquer primeiro-ministro ter a obrigação política de se manter à distância.

Após 2011, Escária formou uma empresa de consultadoria com três assessores de Sócrates: o ex-espião José Almeida Ribeiro, Óscar Gaspar e Luís Bernardo. Em 2013 e 2014, Escária declarou ter recebido 21.250 euros da Proengel II, sociedade de Carlos Santos Silva e do Grupo Lena. Em 2014, foi sócio de Alexandre Cavalleri (detido por suspeita de fraude), dono da empresa Iguarivarius, da qual Mário Lino foi chairman (ler o longo artigo do Observador “Como um ex-ministro e um ex-assessor de Sócrates ajudaram o rei do pernil de porco a conquistar a Venezuela”).

Isto anda tudo escandalosamente ligado. Vítor Escária é um lobista, um facilitador e angariador de negócios que António Costa acaba de colocar no coração do seu gabinete. O facto de o primeiro-ministro assumir de forma tão aberta essa relação de confiança pessoal é demonstrativo de uma continuidade preocupante com os tenebrosos anos 2005-2011. O facto de esta notícia passar com um encolher de ombros é demonstrativo de que não aprendemos nada com a Operação Marquês, e que o regime continua podre, pervertido e perigoso.

O autor é colunista do PÚBLICO

Sugerir correcção
Ler 95 comentários