Em quatro meses, Bruno Lage ficou sem chão

O Benfica de Lage somou o quinto jogo sem vencer em casa e ficou a três pontos do FC Porto. Resultados “apagaram a Luz” ao técnico, apontando-lhe a porta da saída. Mas Bruno Lage ainda é o treinador do Benfica.

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LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

3 de Janeiro de 2019. Rui Vitória saiu, Bruno Lage foi chamado a comandar o barco. No carro, no caminho para o Seixal, como já chegou a contar, decidiu que iria “apostar no miúdo” João Félix. Apostou. E foi campeão.

13 de Dezembro de 2019. Luís Filipe Vieira renovou o contrato a Bruno Lage, que, depois de oferecer o título nacional em 2018/19, levou o Benfica à liderança da Liga em 2019/20, já também com a Supertaça no bolso.

8 de Fevereiro de 2020. O Benfica perdeu frente ao FC Porto, um marco de viragem na época.

10 de Junho de 2020. Depois da suspensão do campeonato – e ao quinto empate consecutivo –, Lage, já contestado, disse que foi ver o mar com Luís Filipe Vieira, numa conversa que terá servido para acertar a continuidade do técnico.

23 de Junho de 2020. O Benfica de Lage somou o quinto jogo sem vencer em casa e ficou a três pontos do FC Porto. Os benfiquistas e a imprensa desportiva “apagaram a Luz” ao técnico, apontando-lhe a porta da saída. Mas uma coisa é certa: Bruno Lage ainda é o treinador do Benfica.

Em cerca de um ano e meio, e nomeadamente nos últimos quatro meses, o treinador que foi Deus já desceu a Diabo. Como? Talvez não haja uma só resposta.

O “bafo do dragão”

Nos onze jogos anteriores à viagem ao Estádio do Dragão, a 8 de Fevereiro, o Benfica somava dez vitórias e um empate em todas as competições. Nos onze jogos seguintes à derrota (3-2) frente ao rival portuense, somou duas vitórias, seis empates e três derrotas.

Uma mera coincidência e curiosidade estatística? Pode ser. Mas não será utópico considerar que, ficando com apenas quatro pontos de vantagem para o FC Porto – e já tendo perdido os dois duelos frente ao rival –, os “encarnados” acusaram o “bafo do dragão” na perseguição ao líder.

E se mais provas forem necessárias, esta teoria assenta na perfeição nos problemas tidos frente a Shakhtar, Portimonense, Rio Ave (apesar do triunfo) e Santa Clara, que mostraram uma equipa incapaz de segurar vantagens e tremida quando o adversário crescia nos jogos.

O Benfica tem-se mostrado inseguro quando o contexto lhe traz vulnerabilidade e, depois de perder no Estádio do Dragão, frente ao FC Porto, a equipa de Lage não mais foi a mesma.

O desnorte

Além da questão mental, tem sido colocada na discussão a qualidade exibicional, ofensiva e defensivamente. Na defesa, Bruno Lage tem sido incapaz de dotar a equipa de ferramentas para suster as bolas paradas adversárias: nove golos já sofridos de bola parada na I Liga – e cinco dos últimos sete golos sofridos pela equipa. Jogo do Benfica tornou-se um sinónimo de golos sofridos em bolas paradas, sobretudo quando a bola passa o primeiro poste – o foco habitual do posicionamento defensivo dos “encarnados”.

Ofensivamente, o técnico tem tido dificuldades para contrariar a inércia e falta de soluções da equipa – pouco capaz de desmontar e criar oportunidades de golo frente a blocos defensivos densos –, ficando refém da qualidade individual de jogadores em momentos de forma menos fulgurantes (Pizzi, Rafa, Vinícius, Cervi e até Gabriel).

Fora do campo, Lage tem sido criticado, sobretudo, pelo “desnorte”. Nos últimos jogos, deu a titularidade a três pontas-de-lança diferentes, já utilizou Rafa e Taarabt em posições distintas e até Zivkovic, apontado como uma carta fora do baralho, já teve uma oportunidade no último jogo.

Um desnorte que tem, a jusante, implicações desportivas, pelas opções tomadas, e, a montante, implicações na imagem de um treinador já prejudicado pela investida contra a ética dos jornalistas – algo ainda mais surpreendente vindo de alguém com a postura elegante e gentil que lhe era reconhecida.

Benfica com Félix, Benfica sem Félix

Para quem vê o Benfica como uma equipa sofrível mesmo na fase em que liderou o campeonato haverá uma outra explicação, mais profunda, relacionada com a não descoberta do “novo João Félix”.

Com a aposta no “miúdo”, como lhe chamou Lage, o técnico ganhou um jogador capaz de fazer funcionar um 4x4x2, através de capacidades singulares: capaz de dar soluções entre linhas, mas também de ter chegada à área, emprestando presença e também finalização.

Raúl de Tomás foi a tentativa inicial de Lage para recriar o modelo de sucesso, mas cedo desistiu do espanhol. Chiquinho chegou a ser dono do lugar, mas não convenceu. Rafa teve bons momentos na posição (fez a diferença em Portimão, por exemplo), mas Lage já mostrou gostar de ter o internacional português numa ala. Taarabt empresta criatividade quando sai de trás, mas não dá presença na área e muito menos finalização.

E, depois de tentar estas quatro possibilidades, nenhuma deu, de forma consistente e não apenas episódica, aquilo que dava Félix. E que antes tinha dado Jonas.

Há quem diga que foi Bruno Lage quem criou João Félix, mas, nesta fase, já se aponta que foi Félix quem criou Lage.

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