Bruno Lage, treinador feito entre Setúbal e o Seixal

Ainda só tem 42 anos, mas a sua carreira como treinador de futebol já tem mais de duas décadas.

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Bruno Lage regressou ao Benfica para treinar a equipa B e, sete meses depois, está na luta pelo título LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

Tudo se precipitou nos últimos meses. Bruno Lage começou a época como treinador da equipa B do Benfica, e era o nome em cima da mesa para ser interino antes de Luís Filipe Vieira ver a luz. Mas, depois, quando tudo voltou a ficar às escuras, Rui Vitória foi gentilmente encaminhado para a porta da saída da Luz e Lage foi promovido a treinador interino da equipa principal. O interino foi ficando, foi ganhando jogos e passou a definitivo. De definitivo até ao final da época, passou a definitivo com contrato até 30 de Junho de 2023 (e com novo empresário, Jorge Mendes), e, 18 de Maio de 2019, passou a técnico campeão nacional.

Isto são só os últimos dez meses da vida e obra de Bruno Lage. Na verdade, tudo começou há mais de 20 anos, nas camadas jovens do Vitória de Setúbal, a sua cidade natal e que já muito deu ao futebol português, de Jaime Graça (muito importante nesta história, mas já lá vamos) a José Mourinho. Bruno Miguel Silva do Nascimento era o filho do senhor Fernando Lage, homem com uma vida inteira ligada ao futebol da cidade, e era pelo apelido do pai (que não tinha no bilhete de identidade) que o tratavam.

Tinha 21 anos quando começou a ser adjunto nos juvenis do Vitória, a ganhar experiência no terreno enquanto ia cumprindo uma formação académica direccionada para o treino em futebol. Também deu uns toques na bola (era extremo-direito, tal como foi o seu colega que estará no banco do FC Porto), mas era fora do relvado que estavam as suas ambições. No perfil de Lage na rede social Facebook está lá uma foto desse início, tal como estão recortes de imprensa de quando passou a ser preparador-físico do Fazendense, clube de Santarém, por indicação de Jaime Graça, um dos Magriços do Mundial de 1966 e grande médio do Vitória e do Benfica.

Jaime Graça será aquele a quem Bruno Lage irá considerar “mestre”. Foi aquele que o irá levar para a formação do Benfica alguns anos mais tarde e a quem irá dedicar a primeira vitória como treinador principal do Benfica, um 4-2 na Luz frente ao Rio Ave em Janeiro passado. “O Jaime Graça está sempre na ponta da língua do Bruno. É um senhor a quem ele está muito agradecido. Foi um dos grandes ‘empurradores’ do Bruno, sempre a mandá-lo para a frente”, conta ao PÚBLICO Rui Esteves, um antigo médio ofensivo do Vitória sadino, do Torreense, do Belenenses e do Benfica, entre outros.

Fanático do treino

Esteves também esteve presente no início de carreira de Lage. “Ele era adjunto no Estrela de Vendas Novas, eu era treinador – já não me lembro onde – e ao domingo, depois dos jogos, a malta reunia-se num cafezinho, jogadores e treinadores, para trocar umas ideias. Chamou-me muito a atenção o fanatismo pelo treino que aquele rapaz tinha. Passava horas e horas com ele a discutir treinos. Houve um dia que o convidei para vir treinar comigo, para o Sintrense. Tivemos uma ligação fantástica, uma loucura total. O Bruno entrava em minha casa às quatro da tarde e saía às duas da manhã, quase que nem jantávamos”, conta Rui Esteves. Ainda palavra a Esteves sobre essa convivência com Bruno Lage no Sintrense em 2004. “Nós aparecíamos no balneário com um computador e um projector para dar a táctica no balneário. Isto é o que vocês têm de fazer e eles ficavam todos tolos!”

Vitória, Fazendense, 1.º de Maio, Estrela de Vendas Novas, Comércio e Indústria, Sintrense. Foram muitas as etapas de uma aprendizagem (detalhada numa excelente reportagem publicada há um par de semanas no jornal A Bola) que iriam conduzir o rapaz de Setúbal, ainda antes dos 30 anos, à formação do Benfica em 2004, quando a Academia do Seixal não existia, por indicação de Jaime Graça. Trabalhou de perto com muitas gerações da formação benfiquista, incluindo a de 1994, que incluía jogadores como João Cancelo, Rony Lopes ou Bernardo Silva.

Guilherme Matos era um médio dessa geração e conta ao PÚBLICO uma história desses tempos. “O Cancelo andava chateado com o ‘mister’ por não jogar, e houve um treino em que o ‘mister’ Lage decidiu entrar na ‘peladinha’. Houve um lance em que ele domina a bola e o Cancelo faz-lhe um carrinho a pés juntos. Não foi para lesionar, mas como havia alguma intenção, foi um momento tenso. O ‘mister’ ficou chateado e mandou-o embora. Mas depois ficou tudo bem e ainda hoje nos rimos com isto”, recorda.

“Era um treinador exigente, mas próximo”, conta, por seu lado João Gomes, da “fornada” de 1995. E essa proximidade, conta João Gomes, mantém-se através de um grupo de mensagens entre jogadores e treinadores: “Penso que até foi ele que o criou, mas não tenho a certeza. Quando o oiço a falar, é o mesmo treinador. No outro dia até apanhei uma ‘gaffe’ dele e fartei-me de rir. Acho que foi no jogo com o Aves e ele diz que têm ‘três gajos muito rápidos na frente’ e depois corrige logo para jogadores. Era exactamente assim a falar connosco!”

Foram oito anos na formação do Benfica e, depois, mais dois na formação do Al-Ahli, dos Emiratos Árabes Unidos, onde coincidiu com Carlos Carvalhal. Carvalhal e Lage formaram dupla em terras inglesas durante três épocas, duas e meia no Sheffield Wednesday na Championship, e a outra metade a tentar salvar o Swansea da descida na Premier League (missão falhada). Quando abriu vaga na formação secundária do Benfica, Lage regressou para os tais dez meses alucinantes.

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