Governo responsabiliza Passos por críticas de Bruxelas ao Orçamento

O centrista Nuno Magalhães acabou por responder às críticas de Costa pelo líder do PSD; esquerda não questionou primeiro-ministro sobre a greve da função pública em curso.

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Por duas vezes, António Costa chamou primeiro-ministro a Passos Coelho Rui Gaudêncio

O debate quinzenal desta quinta-feira no Parlamento prestou-se a uma confusão de papéis no sentido político e até no sentido linguístico. O primeiro-ministro atira para o anterior Governo a responsabilidade das críticas da Comissão Europeia ao esboço orçamental. Bruxelas supôs que medidas como a sobretaxa ou cortes nos rendimentos eram definitivas. Afinal, diz António Costa, foi Passos Coelho quem informou mal as autoridades europeias, ao garantir o carácter estrutural das medidas. Se o passado serviu como justificação para os alertas de Bruxelas, foi também a base para um aparente lapso quando Costa convidou Passos Coelho – chamando-lhe “senhor primeiro-ministro” - para vir para o presente. Lapso repetido duas vezes na mesma intervenção.

Na primeira interpelação do debate, o líder do PSD quis saber as “intenções” do Governo sobre o Orçamento, realçando, no entanto, a preocupação com a simplificação administrativa que fora a base da intervenção de António Costa. Na resposta, o primeiro-ministro apontou para o passado. “Medidas como a sobretaxa ou corte dos rendimentos foram apresentadas como medidas temporárias. Pôr termo a medidas temporárias não é fazer alterações estruturais. O anterior Governo comunicou à Comissão Europeia que as medidas que tinham informado o país serem temporárias eram afinal definitivas e a Comissão Europeia julga que estamos a alterar medidas definitivas”, afirmou.

O primeiro-ministro sustentou ainda que as previsões sobre o défice para este ano não andam muito longe das estimativas do Governo PSD/CDS. E deu o exemplo do Pacto de Estabilidade e Crescimento do anterior Governo, que apontava para um défice de 2% em 2016, menos uma décima do que é previsto agora pela sua equipa.

Nessa primeira intervenção, Costa engana-se: “Eu compreendo e respeito a dificuldade que o senhor primeiro-ministro tem em libertar-se dos últimos quatro anos. Há-de compreender que o meu dever é governar o dia de hoje com os olhos postos no futuro e não passar o tempo a alimentar consigo um debate sobre o seu passado”. Só à segunda vez, quando convida o “senhor primeiro-ministro” a vir para o presente, “onde será bem recebido”, o actual chefe de Governo corrigiu para “senhor deputado”, depois de ouvir ruído no hemiciclo.

Relativamente ao esboço do Orçamento do Estado, António Costa garantiu que as previsões “são conservadoras e realistas”, mas que é “um Orçamento que não se conforma com as políticas e quer marcar a viragem de página”.

Num tom muito prudente e brando, Passos Coelho voltou a mostrar dúvidas: “O Governo apresenta medidas estruturais que não o são. Agravam o défice estrutural e é por isso que Bruxelas está preocupada”, afirmou, fazendo a distinção entre o trabalho “técnico” e o “não ter um exercício sério”. O líder social-democrata assinalou ainda nunca ter passado pelo “embaraço” de ter um ministro das Finanças a ser “corrigido”. “O que conhecemos são medidas que aumentam a despesa e diminuem a receita. Como não são conhecidas [as que compensam a despesa] chegamos à conclusão de que não tem consistência e contrasta com o que tem vindo a dizer”, disse.

A resposta à crítica sobre a natureza definitiva das medidas viria a ser dada, não por Passos Coelho, mas pelo líder da bancada dos centristas, quando referiu que foi o anterior Governo PSD/CDS que iniciou a reposição de salários na função pública. Uma achega do CDS que não passou despercebida na bancada social-democrata perante o silêncio de Passos Coelho.

Nuno Magalhães também apontou as críticas de “irrealismo” em torno do esboço orçamental. O líder da bancada centrista questionou sobre possíveis medidas adicionais ou qual o plano B que o Governo tem se Bruxelas travar o Orçamento. António Costa reafirmou que o diálogo com a Comissão Europeia é “construtivo” e admitiu que estar disponível “para ajustar o que for possível ajustar”. 

PCP fixo nas pensões
Respondendo às bicadas do CDS - que acusou PCP e BE de aceitarem do Governo PS um aumento de apenas um euro mensal nas pensões, quando há um ano defendiam aumentos de 25 euros -, Jerónimo de Sousa quis vincar que o PCP continua a considerar que “em 2016 é possível um aumento real das reformas” e está a “trabalhar para isso”. O que sugere que o assunto é tema das negociações com o Governo – tal como há dias admitiu haver conversas sobre a antecipação da reposição das 35 horas na função pública. Isso poderá explicar o seu silêncio, no debate, sobre a primeira greve daquele sector com o novo Executivo que decorria esta sexta-feira, convocada por sindicatos da CGTP, embora se tenha demorado a defender a necessidade de “valorização e reconhecimento” dos funcionários públicos.

Na resposta, António Costa concordou com tudo o que disse Jerónimo, defendeu a necessidade de uma “verdadeira gestão de recursos humanos, com valorização das pessoas” na administração pública e voltou ao seu discurso inicial, em que prometera a renovação de quadros através da contratação de jovens qualificados.

A porta-voz do BE veio auxiliar Costa. Catarina Martins fizera há uns anos o número com Passos Coelho, embora com mais impacto, e esta sexta-feira repetiu-o: trouxe um exemplar da Constituição pedindo a Costa que o entregue à Comissão Europeia. Para explicar que “a Comissão terá sido enganada” pelo Governo PSD/CDS quando este argumentou em Bruxelas que iria fazer cortes nos salários, pensões e direitos “que a Constituição não permitia”, é certo, mas que podiam ser feitos por serem “transitórios”. Já Jerónimo classificara esta estratégia de Passos de “contrabando”.

Catarina Martins retomou a mensagem de pressão sobre Costa que deixara na véspera em entrevista à SIC: há uma força no Parlamento “que apoia o Governo para fazer frente a Bruxelas” e essa “voz forte tem de se fazer ouvir”. Na resposta, Costa disse que o Governo “tudo fará para cumprir as metas previstas para o défice orçamental”.

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