Incerteza política sim, o quanto baste

Hoje os deputados vão chumbar o programa do Governo. O que se seguirá deverá seguir-se depressa

Há menos de um mês, numa das primeiras reuniões entre António Costa e Catarina Martins, a porta-voz do Bloco saiu da reunião a declarar: “O Governo de Passos e Portas acabou hoje.” No dia seguinte, talvez pela surpresa do anúncio, as bolsas caíram e os juros da dívida subiram. O secretário-geral do PS viu-se na altura obrigado a fazer uma espécie de périplo pelos mercados, encontrando-se com banqueiros, com o presidente da Bolsa e dando entrevistas a jornais financeiros internacionais, transmitindo uma mensagem de tranquilidade. E conseguiu. Esta segunda-feira, depois de os órgãos internos do PS e do PCP terem dado luz verde a um acordo de esquerda, o PSI 20 voltou a escorregar 4% e os juros da dívida pública subiram para os 2,88%.

Sendo certo que os mercados foram influenciados negativamente pela possibilidade de a Reserva Federal poder vir subir os juros, também é inegável que a dimensão das quedas em Lisboa foi superior às registadas no resto da Europa. E os operadores de mercado justificaram parte da descida com o clima de incerteza política. O próprio primeiro-ministro defendeu esta tese no debate do programa de governo.

Mas isso quer dizer que os humores dos mercados devem sobrepor-se à política? Nem pouco mais ou menos. Uma das frases mais clarividentes sobre este tema vem de uma pessoa que muitos olham, pelo cargo que ocupa, como a própria encarnação dos mercados: Mario Draghi. Quando há duas semanas foi questionado sobre o clima de incerteza que se vivia em Portugal e Espanha, o presidente do BCE foi claro: “Sendo a incerteza má para a economia, a incerteza política também faz parte da democracia.” Ou seja, há alturas em que a clarificação e a luta política (que naturalmente geram alguma incerteza) são mais importantes do que o sobe e desce dos mercados. Isto desde que não se prolonguem em demasia e não descambem numa situação de ingovernabilidade.

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