Ministério do Ambiente pode ganhar eficácia com as duas novas secretarias de Estado

Vários países europeus têm separado a pasta do Ambiente da pasta do Clima e Energia. Com a nova remodelação, estas áreas ganham secretarias de Estado autónomas.

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A concertação de interesses conflituosos na instalação de energias renováveis poderá ser mais facilitada com a nova organização governamental Nelson Garrido

Com a subida de João Galamba a ministro das Infra-Estruturas, a Secretaria de Estado do Ambiente e da Energia, que era a sua pasta no Governo, foi reformulada em duas: passou a haver uma secretaria de Estado do Ambiente, liderada por Hugo Pires, e uma secretaria de Estado da Energia e Clima, atribuída a Ana Fontoura Gouveia. É um tipo de repartição de responsabilidades que está a ser seguido por alguns países europeus e que a organização ambientalista Zero considerava desejável.

A junção numa só Secretaria de Estado do Ambiente e da Energia dificultou o processo de tomada de decisões do Ministério do Ambiente e da Acção Climática em várias áreas urgentes, comentou a Zero. “Principalmente na área do ambiente, incluindo temas como resíduos, qualidade do ar, ruído, avaliação de impacte ambiental, entre outros”, disse a organização, em comunicado.

Isso foi claro em áreas em que surgem naturalmente conflitos de interesses. “Tem que ver, acima de tudo, com as questões da responsabilidade da avaliação de impacto ambiental e dos projectos energéticos”, explicou ao PÚBLICO Francisco Ferreira, dirigente da Zero. “Ou seja, uma das matérias com possível conflito tem que ver com a estratégia relativa aos parques solares, mas também aos eólicos.” Em causa está tudo o que se prenda com a concertação da instalação de infra-estruturas de energias renováveis e os seus impactos, observou.

“Era difícil à escala do mesmo secretário de Estado dirimir, por exemplo, aquilo que vinha da Agência Portuguesa do Ambiente e aquilo que vinha da Direcção-Geral de Energia e Geologia, bem como o que vinha de uma outra secretaria de Estado, a Conservação da Natureza, portanto do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas”, exemplificou Francisco Ferreira.

“Esta forma de juntar o Ambiente e a Energia foi iniciada por Jorge Moreira da Silva e, à escala de um ministério, tem todo o sentido”, explica o dirigente da Zero. Numa só secretaria de Estado é que se torna problemática. “O Ambiente perdeu peso nestes últimos meses à custa de João Galamba ter sido secretário de Estado da Energia e, entre aspas, ter-lhe sido adicionado o Ambiente. Mas o Ambiente foi sempre uma vertente menor dentro da Secretaria de Estado do Ambiente e da Energia”, criticou Francisco Ferreira.

“Quando ao nível da Secretaria de Estado temos o Ambiente e a Energia, isso faz depender muito [o processo de tomada de decisões] da visão do secretário de Estado”, disse Francisco Ferreira. “Em nosso entender, é saudável que haja uma discussão entre as secretarias de Estado do Ambiente e a da Energia, no sentido de conciliarem a melhor solução, com o ministro sempre a poder ter a última palavra”, adiantou.

E podem surgir áreas em conflito. “Há questões que são cruciais em termos de política energética que não podem conflituar com outras áreas”, afirmou Francisco Ferreira. “Um exemplo simples: o uso de biomassa. É um problema do ponto de vista da gestão das florestas, se não se usar biomassa residual; é um problema do ponto de vista da qualidade do ar, porque as emissões associadas à biomassa são significativas em termos de partículas. Mas é uma oportunidade do ponto de vista da energia renovável, se for biomassa residual e se estivermos a falar de centrais com alguma eficiência”, salientou.

A junção do Clima e da Energia é que é algo que faz todo o sentido, afirmou Francisco Ferreira. “Primeiro, porque a principal fatia responsável pelas emissões [de gases com efeito de estufa] está ligada à energia, na ordem para aí dos 70%. Por outro lado, temos o Plano Nacional de Energia e Clima, que todos os Estados-membros da União Europeia têm de rever até Julho, inclusive, e temos o Roteiro para a Neutralidade Carbónica, que vai ser antecipado para 2045. A energia e o clima estão realmente muito conexos na definição de medidas de mitigação [redução das emissões].

Como é no resto da Europa?

O ganho de autonomia da pasta do Clima, ou Clima e Energia, em relação ao Ambiente, é um modelo que está a vingar noutros países? Afinal, a própria Comissão Europeia tem um comissário responsável pelo Pacto Ecológico Europeu e os compromissos europeus para atingir a neutralidade carbónica até 2050, Frans Timmermans, e um comissário com a pasta do Ambiente, Oceanos e Pescas, Virginijus Sinkevicius.

“O clima, não tenho dúvidas, está a aparecer à escala de ministério, há vários países que têm ministérios com a palavra clima”, salientou Francisco Ferreira. Em Portugal, por exemplo, com a designação Ministério do Ambiente e da Acção Climática. “No caso da Energia continuamos com situações díspares”, disse.

Divisão de Clima e Ambiente na Europa:

  • Em Espanha, por exemplo, o Ambiente e o Clima estão sob a alçada de Teresa Ribera, uma das vice-presidentes do Governo e ministra para a Transição Ecológica e o Desafio Demográfico, que depois tem uma secretaria de Estado para a Energia e outra para o Meio Ambiente;
  • Já a Alemanha tem um ministério da Economia e Acção Climática, ocupado por Robert Habeck (partido Os Verdes), enquanto no Ministério do Meio Ambiente, Conservação da Natureza, Segurança Nuclear e Protecção do Consumidor está Steffi Lemke, também de Os Verds.
  • Também em França estão separados Ambiente e Energia e Clima. Christophe Béchu é ministro da Transição Ecológica e da Coesão dos Territórios, com secretários de Estado para os Transportes, Cidade e Habitação, Ecologia e Ruralidade. Já Agnès Pannier-Runacher é ministra da Transição Energética;
  • Nem em todos os países, no entanto, o Clima está a assumir maior protagonismo no Governo. No executivo conservador britânico liderado por Rishi Sunak, Graham Stuart é secretário de Estado da Energia e do Clima, integrado no Ministério da Economia, Energia e Estratégia Industrial. Separadamente, Thérèse Coffey é ministra do Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais;
  • A Grécia tem um ministério do Ambiente e da Energia, mas o ex-comissário europeu Christos Stylianides dirige o Ministério da Crise Climática e da Protecção Civil;
  • Em Itália, no Governo liderado por Giorgia Meloni, que levou a extrema-direita para o poder, o Ministério da Transição Ecológica de Mario Draghi foi substituído por um ministério do Ambiente e da Segurança Energética, apagando subtilmente a referência à crise climática do nome. Foi entretanto nomeado um diplomata de carreira, Alessandro Modiano, para enviado especial para as alterações climáticas.

Correcção do nome da ministra do Ambiente da Alemanha: Steffi Lemke, não Barbara Hendricks

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