Trabalhar quatro dias por semana é bom para o clima… se usarmos bem o nosso tempo

Há ganhos ambientais em encurtar a semana de trabalho. Mas só se não fizermos actividades que aumentam as emissões de dióxido de carbono no dia livre que ganhamos.

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A forma como se passa o tempo livre tem um peso na pegada ecológica Rob Stothard/Getty Images

Se a semana de trabalho passasse a ser de quatro dias, em vez dos cinco actuais, haveria benefícios para a crise climática? Depende do que fizermos com o tempo livre extra que ganharíamos para as nossas vidas. “Se usarmos o dia livre para fazer uma viagem de avião, haverá um impacto nas emissões de dióxido de carbono. Mas se o usarmos para comprar uma bicicleta para ir passear, estamos a estimular a economia e o impacto será outro”, explica o economista Pedro Gomes, que está a coordenar o projecto-piloto que Governo vai apresentar, em Outubro, aos parceiros sociais para pôr em prática a semana de quatro dias em Portugal.

Pedro Gomes, professor em Birkbeck, na Universidade de Londres, é autor do livro Sexta-feira é o novo sábado (ed. Relógio d’Água), onde defende a introdução da semana de quatro dias. Isto porque vários estudos e experiências feitos em diferentes partes do mundo têm mostrado que quando se trabalham menos horas, a produtividade aumenta.

“Eu defendo que a economia vai melhorar, e se calhar os ganhos ambientais não vão ser tão grandes como dizem outros defensores da semana de quatro dias”, avisa Pedro Gomes. “Alguns estudos dizem que a semana de quatro dias poderia reduzir até 30% a utilização de carbono. Eu acho isto muito optimista”, diz.

“Mas há outras correntes no movimento que defende a semana de quatro dias que usam muito o argumento da melhoria do ambiente”, salienta Pedro Gomes. A ideia é a de que quando as pessoas têm mais tempo livre tendem a poluir menos.

“Há provas de que existe uma associação entre o número de horas de trabalho e mais emissões de carbono. Foi obtida em experiências em países, ou mesmo famílias. A ideia é que quando se tem mais tempo livre, tem-se mais actividades que são menos intensivas em carbono. Não se leva o carro para ir trabalhar, põe-se a descongelar a comida em vez de descongelar no microondas. Quando estamos com pressa, a aceleração vai-nos fazer usar mais electricidade e causar uma pegada ecológica maior”, sublinha Pedro Gomes.

Por exemplo, um relatório publicado no ano passado pela campanha 4 Day Week apresentava uma análise em que apontava para que fosse possível reduzir a pegada carbónica do Reino Unido em 127 milhões toneladas por ano até 2025, se fosse posta em prática a semana de quatro dias. “Representa uma redução de 21,3%, e é mais do que toda a pegada carbónica da Suíça”, diz o relatório Stop the Clock (Parem o Relógio). Era o equivalente a tirar 27 milhões de carros das estradas – mais ou menos todos os carros privados do Reino Unido, diz o relatório.

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"Há provas de que existe uma associação entre o número de horas de trabalho e mais emissões de carbono", diz Pedro Gomes Daniel Rocha

Mas claro, tudo depende do que se fizer no tempo livre que se ganha. “Estas mudanças sociais nunca são garantidamente boas. Podem sê-lo ou não, dependendo do que se faz com elas do ponto de vista ambiental”, diz Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero. “Do ponto de vista social, à partida poderá haver grandes benefícios, para as pessoas terem um bocadinho mais de tempo para si e para os outros, que é algo que temos estado a perder.”

Essa ideia foi muitas vezes o foco das discussões da Zero com 31 organizações para elaborar um relatório que procura dar uma visão do que poderia ser Portugal numa economia do bem-estar em 2040, nas quais Susana Fonseca estive envolvida. “Uma das questões que surgia sempre era ‘Ok, temos de fomentar a participação, mas para haver participação, tem que haver tempo’. Tem que haver disponibilidade mental para pensar noutras coisas que não seja a rotina do dia-a-dia. Trabalhar, chegar a casa, fazer o jantar, às vezes preparar refeições para o dia seguinte”.

O relatório Stop the Clock deu o exemplo do que aconteceu quando a França introduziu a semana de trabalho de 35 horas, em 2000, deixando mais tempo livre para quem trabalha. A tendência dos trabalhadores franceses foi investir mais actividades que produzem reduzidas emissões de carbono, diz o relatório, citando num estudo na revista Sustainability: Science, Practice and Policy. Por exemplo ler, jogar, exercitar-se, passar tempo com a família, relaxar, investir na edução pessoal, entre outras coisas.

Útil na crise energética

Mas não é certo que o desfecho seja sempre tão favorável em termos ambientais, salienta Susana Fonseca. “As pessoas poderão dedicar-se à comunidade, mas também podem dedicar-se a consumir mais, a passear mais, a passar mais fins-de-semana prolongados, a ter mais tempo para ir a lojas consumir coisas. Se há consumos que não têm uma grande pegada ecológica, como os consumos culturais, por exemplo, tudo o que implicar viagens, por exemplo, tem uma maior pegada”, exemplifica.

A semana de quatro dias poderia ajudar-nos neste momento em que a palavra de ordem é poupar energia, porque o gás russo não está a fluir para a Europa, em retaliação contra as sanções da União Europeia por causa da invasão da Ucrânia? “Sim, permitiria poupar energia”, afirma Pedro Gomes. “O estado de Utah, nos EUA, pôs em prática em 2008 a semana de quatro dias e conseguiram poupanças significativas no consumo de energia”, ilustra.

Mas Pedro Gomes propôs, num artigo no PÚBLICO, em Março, no início da guerra, usar a semana de quatro dias como uma solução de emergência para combater a dependência da Europa do gás e petróleo russos. “Seria uma iniciativa para mostrar a Vladimir Putin que havia uma vontade grande de fazer finca-pé e de mudarmos o nosso próprio estilo de vida por um ideal. Agora já começa a ser um bocadinho tarde”, diz.

Há um precedente histórico de instituir uma semana de trabalho mais curta numa situação de emergência, e com bons resultados. “Nos anos 1970, no Reino Unido, também havia uma crise energética, por causa das greves nas minas de carvão, os blackouts eram bastante frequentes, os preços estavam muito muito altos”, explica. Além de outras medidas mais óbvias de poupança de energia, foi decidido que durante cerca de dois meses, as fábricas britânicas trabalhariam apenas três dias por semana.

“Muitos economistas diziam que ia ser uma catástrofe, que iria causar quatro milhões de desempregados. Mas não chegou a um milhão, e o que aconteceu foi que houve um aumento de produtividade enorme”, conta Pedro Gomes. “No primeiro trimestre de 1974, o PIB caiu apenas 2,8 por cento, longe dos 40% que alguns esperavam. Lá está, quando trabalhamos menos, trabalhamos com mais intensidade”, adianta.

O economista não vê, no entanto, nenhuma apetência nos líderes europeus em repetir o exemplo histórico britânico. “Disse-se que é preciso cortar o consumo da energia em 15% e houve esta negociação na Comissão Europeia para reduzir o consumo de energia, mas não ouvi ninguém falar nesta possibilidade. Gostava de ter visto e existe o precedente”, reconhece Pedro Gomes. “Acho que ainda existe uma espécie de preconceito em alguns círculos em relação à semana de trabalho de quatro dias”, diz.

Pedro Gomes está a coordenar o lançamento de um projecto-piloto para verificar a aplicabilidade da semana de quatro dias em Portugal, a apresentar em Outubro. “Não se pode pensar que é uma coisa que se faz de um dia para o outro. Vai ser demorado. A não ser que haja uma grande emergência e seja preciso actuar. Uma experiência de três meses seria um excelente teste para ver se funcionaria ou não”, avisa Pedro Gomes, que salienta, no entanto, que o ideal seria que o teste tivesse uma dimensão europeia.

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