Zero lança discussão sobre economia do bem-estar em Portugal

Relatório vai ser dado a conhecer a decisores políticos. Esta é uma economia que está ao serviço das pessoas e procura respeitar os limites do planeta, que pretende prevenir em vez de compensar os danos colaterais do nosso modelo de desenvolvimento.

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O País de Gales deixou de alargar uma auto-estrada, seguindo os princípios da economia do bem-estar nelson garrido

Uma visão de Portugal numa economia do bem-estar em 2040 é o tema de um relatório divulgado pela associação ambientalista Zero, que resulta de uma colaboração com 31 organizações. “Foi um exercício inicial, que agora vamos dar a conhecer aos representantes políticos, reunir com os partidos, vários ministérios, para debater a possibilidade de Portugal desenvolver um plano de auscultação que leve a uma estratégia nacional para termos uma economia do bem-estar”, explicou Susana Fonseca, da Zero.

E o que é a economia do bem-estar? “É uma economia que está ao serviço das pessoas e procura respeitar os limites do planeta, que pretende prevenir em vez de compensar. Uma boa parte da nossa motivação para continuarmos sempre a crescer e a produzir mais é, em larga medida, para compensar os danos colaterais do nosso modelo de desenvolvimento, as desigualdades, os impactos ambientais, etc.”, explica Susana Fonseca. Esta economia do bem-estar tenta à partida evitar as desigualdades sociais e grande parte dos impactos no ambiente.

“Esta abordagem está a ser tentada a nível europeu, há uma associação da qual nos fazemos parte. Aliás nem só a nível europeu, é mesmo a nível mundial, e já inclui até alguns governos, como é o caso da Nova Zelândia, da Escócia, do País de Gales, que já estão a trabalhar para serem países dentro desta lógica de uma economia do bem-estar”, diz Susana Fonseca. “Gostaríamos que Portugal viesse também a tornar-se um país que procura alcançar esta economia do bem-estar”, conclui.

“Não é só uma questão ambiental. É promover o bem-estar das pessoas, mas obviamente explicando os limites do planeta”, explica a dirigente da Zero. Por ter que ver com um leque amplo de assuntos, o relatório resultou de um processo de auscultação organizações tão diversas como a Associação Natureza Portugal-WWF, a Associação Portuguesa de Seguradoras, a Confederação da Indústria Portuguesa ou a Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), por exemplo, que se reuniram em quatro workshops.

Através de um inquérito, foram também identificados os valores centrais que os portugueses consideram que devem estar na base de uma economia do bem-estar, que são justiça social, sustentabilidade, dignidade, equidade e igualdade.

Mas porque isto pode parecer um pouco vago, Susana Fonseca dá um exemplo concreto de como funciona a economia do bem-estar, ouvido à representante das Gerações Futuras do País de Gales – um cargo criado ao abrigo da Lei do Bem-Estar das Gerações Futuras que existe naquela nação, uma das que compõe o Reino Unido. Havia uma estrada muito congestionada e havia o projecto de a alargar, com um investimento avultado. O processo já estava em andamento, mas acabou por ser cancelado.

“Estes países desenvolvem uma auscultação interna, têm determinados valores que tem de ser cumpridos, têm uma visão em termos de desenvolvimento do país, e procuram analisar as decisões políticas a luz dessa visão. É quase como se fizessem uma análise de impacto”, explica Susana Fonseca. Então a representante das Gerações Futuras demonstrou ao primeiro-ministro do País de Gales que o alargamento da auto-estrada não ia ao encontro de vários objectivos considerados fundamentais.

“Não ia aumentar a resiliência em termos de alterações climáticas”, porque ao haver mais carros em circulação aumentariam as emissões de gases com efeito de estufa, conta Susana Fonseca. “Do ponto de vista social, demonstraram que cerca de 23% da população daquela região, e particularmente a população mais desfavorecida, não tem carro. O que quer dizer que investir tanto dinheiro numa solução que iria mais uma vez deixar de lado a população mais frágil não fazia sentido”, relata. E por fim, o objectivo de lutar contra a obesidade também não era ajudado. “Construir mais uma via para as pessoas andarem mais de carro sentadas não era uma boa solução para resolver o problema”, conclui a dirigente da Zero.

“A economia do bem-estar resulta normalmente de uma auscultação no país muito diversificada, para conseguir chegar aquela população que muitas vezes não tem voz”, explica Susana Fonseca. Isso serve para identificar os valores, os objectivos de bem-estar. “Depois, é preciso que haja uma análise dos investimentos guiada por esses objectivos”, conclui.

“É este processo que queremos estimular em Portugal. Para podermos analisar projectos como o do aeroporto à luz de uma visão desta economia do bem-estar em Portugal”, exemplificou Susana Fonseca.

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