A arma mais poderosa: uma semana de quatro dias

Como é que as democracias liberais podem ganhar?

A nossa civilização enfrenta dois riscos. A curto prazo, o de a guerra de Putin empurrar o mundo para uma espiral de militarização, reavivando os fantasmas de uma guerra nuclear. A longo prazo, o de catástrofes associadas às mudanças climáticas. Ambos são acontecimentos que ameaçam o futuro do nosso planeta. Para lidar com esses riscos, a solução passa por reduzir drasticamente o uso de energia, quer para libertar os países europeus, viciados em gás russo, das correntes de Putin, quer para reduzir as emissões de carbono provenientes de combustíveis fósseis.

Mecanismos baseados no mercado não funcionarão para reduzir o uso de energia nas sociedades europeias, devido ao seu alto nível de desigualdade. Por um lado, as famílias mais pobres não conseguirão lidar com os aumentos dos custos de energia, como já observamos. Por outro lado, as famílias mais ricas não serão penalizadas o suficiente para alterar o seu padrão de consumo de energia. Para a Europa reduzir o consumo de energia, protegendo a economia, deve equacionar uma mudança coordenada, de emergência, para uma semana de quatro dias.

Tal medida já está a ser considerada pelo Governo das Filipinas e não seria inédita. Existe um precedente histórico aquando da crise energética nos anos 70. Em 1974, de 1 de janeiro a 7 de março, o Governo do Reino Unido decretou uma semana de três dias para lidar com os frequentes apagões e o aumento dos preços da eletricidade causados ​​por greves nas minas de carvão. Metade das luzes de rua foram desligadas, assim como o aquecimento em prédios públicos e comerciais, e as televisões foram forçadas a terminar as emissões às 22.30. Embora rotuladas como “as restrições mais drásticas à economia desde a Segunda Guerra Mundial”, elas “não causaram estragos na economia britânica”.

De acordo com o New York Times, “as perdas enormes de produção e o desemprego previstos por praticamente todos os economistas simplesmente não se materializaram”. Os gastos dos consumidores quase não diminuíram, e o grande aumento da produtividade nos restantes dias de trabalho sustentou a produção. O desemprego, previsto para chegar a 4 milhões, estabilizou pouco acima de 1 milhão. No primeiro trimestre de 1974, o PIB caiu apenas 2,8 por cento, longe dos 40 por cento que alguns ingenuamente esperavam.

A nossa situação atual não exige uma semana de três dias nem racionamentos, mas requer um plano ambicioso e urgente para a redução do consumo energético, e uma semana de quatro dias deve entrar nesse plano. Nos últimos anos, inúmeras empresas em diversos países e sectores de actividade têm implementado uma semana de quatro dias como prática de gestão. Em muitos casos, a produtividade por hora aumenta tanto que compensa a redução de horas, não afetando a produção. Os ganhos de produtividade advêm de várias áreas de negócio, quer pelo facto de os trabalhadores conseguirem trabalhar de forma mais intensa nos restantes dias, cometendo menos erros e omissões, quer pela redução do absentismo e da rotatividade de mão-de-obra e os custos associados. Reduzir a semana de trabalho também leva os gestores a reorganizar processos (mais intensivos para os trabalhadores) ou a comprar novas máquinas que aumentam a eficiência. E, fundamentalmente, reduzem vários custos intermédios, nomeadamente o da energia.

A Henley Business School publicou recentemente um relatório sobre a semana de quatro dias, de autoria de James Walker e da académica portuguesa Rita Fontinha. O relatório descreve os resultados de um inquérito quantitativo a mais de 2000 funcionários e 500 líderes empresariais e revela que as empresas estão cada vez mais abertas a esta prática de gestão. Dois terços dos empregadores que implementaram a semana de quatro dias reduziram os seus custos, em média cerca de 2 por cento da facturação total. Este resultado é comum entre empresas que, desde a década de 1970, implementam a semana de quatro dias, mas também entre instituições do sector público. Uma das experiências mais emblemáticas no sector público foi feita no estado americano de Utah. Implementada pelo governador republicano John Huntman’s Jr. em 2008, a semana de trabalho de quatro dias reduziu os gastos com energia em 13 por cento, principalmente com poupanças em gás natural.

A semana de quatro dias envolve dois aspectos fundamentais: um relativo ao total de horas trabalhadas e o outro relativo à coordenação dessas horas. Embora a discussão pública foque principalmente o total de horas trabalhadas, o aspecto da coordenação é muito mais importante. A atividade económica moderna é feita essencialmente em equipa, e o trabalho em equipa requer coordenação temporal. A partição entre a semana de trabalho e o fim-de-semana é apenas uma estrutura para coordenar um tipo de trabalho (em equipa) durante a semana, e de trabalho individual, bem como atividades económicas de lazer, ao fim-de-semana. Uma semana de quatro dias permitirá coordenar tudo o que já fazemos, de forma mais eficiente num período mais curto – essa é a lição da semana de três dias no Reino Unido.

De acordo com o Relatório Henley, o maior problema da semana de quatro dias, apontado por 75 por cento das empresas, é o facto de não estarem disponíveis para os clientes num determinado dia. Mas esse problema desaparece com uma abordagem coordenada a toda a economia. Assim, a pergunta que deveríamos fazer não é “quais são as vantagens de mudar para uma semana de quatro dias?”, mas sim “porque é que uma empresa há de abrir cinco dias, quando todos os seus clientes, fornecedores e concorrentes estão fechados à sexta-feira?”

Em tempos normais, a passagem para uma semana de quatro dias deveria ser lenta. Mas estes tempos não são normais – são tempos perigosos onde a sobrevivência das democracias liberais ou mesmo da humanidade está em perigo. A escolha é clara. Podemos hesitar, continuar a enviar mil milhões de euros por dia para financiar a Guerra de Putin e entrar na corrida ao armamento como forma de dissuasão, ignorando a crise climática e a crescente evidência de que a semana de quatro dias é a melhor maneira de organizar o trabalho no século XXI. Ou podemos reunir coragem para embarcar num ambicioso plano coordenado para reduzir drasticamente o consumo de energia, libertando a Europa da chantagem de Putin, mudando para uma sociedade mais verde e protegendo a economia. Não podemos escapar das dificuldades que aí vêm, mas podemos mobilizar-nos para que haja esperança num futuro melhor. Só mantendo essa esperança é que as democracias liberais ganham.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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