O “Z” de apoio a Putin e as manifestações antiguerra contam a história de duas Rússias

O misterioso “Z” que está nos veículos militares russos tornou-se um símbolo de apoio à guerra na Ucrânia, enquanto cresce o número de manifestantes detidos pela polícia. Aprovação de Vladimir Putin cresceu em Fevereiro para níveis de 2019.

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O símbolo "Z" pintado numa paragem de autocarro em São Petersburgo Reuters

Illia Kovtun é o nome do atleta ucraniano de 18 anos que no sábado ganhou uma medalha de ouro em barras paralelas e uma medalha de bronze em barras horizontais na Taça Mundial de Ginástica Artística, em Doha. Mas o nome que saltou para as notícias de todo o mundo foi o do seu adversário russo, Ivan Kuliak, de 20 anos, que subiu ao pódio para receber o bronze com um “Z” colado ao equipamento.

Doze dias de conflito depois, só as forças armadas russas saberão exactamente o que significam os “Z” que povoam grande parte dos veículos militares que estão envolvidos na invasão da Ucrânia. Será uma forma de identificação para evitar fogo amigo? Quererá dizer alguma coisa sobre o destino final das unidades? Ou é uma forma de simbolizar o grito de guerra “até à vitória”?

Há várias teorias, poucas certezas e algumas consequências. Independentemente do significado real, o “Z” começou a ser usado na Rússia como uma forma de apoio à intervenção militar na Ucrânia e a Vladimir Putin. No Instagram, o Ministério da Defesa adoptou-o como símbolo de “vitória”. Este fim-de-semana surgiram vídeos nas redes sociais em que pessoas com bandeiras russas e camisolas com o “Z” desenhado explicam porque defendem a “operação militar especial” contra os “nazis”.

O “Z” está amplamente espalhado pelas redes sociais russas e vê-se também, por exemplo, em pára-brisas de carros, relata no Twitter o investigador e activista político Kamil Galeev.

Ivan Kuliak, que não é o primeiro atleta russo a exibir publicamente um “Z”, enfrenta agora uma possível sanção da Federação Internacional de Ginástica, que pode ir de perder a medalha de bronze que ganhou em Doha até a uma longa suspensão.

Aprovação de Putin cresceu

Afinal o que sentem os russos em relação ao que se passa na Ucrânia? Os últimos dias contam a história de duas Rússias.

Milhares de pessoas têm saído às ruas das principais cidades para se manifestar contra a guerra. Segundo a organização não-governamental OVD-info, que monitoriza a actuação policial, houve mais de 13.500 detenções desde que a ofensiva militar começou, a 24 de Fevereiro. Ao mesmo tempo, pelo menos 150 jornalistas abandonaram o país desde que o Parlamento aprovou a lei que criminaliza a propagação de “notícias falsas” sobre as forças armadas, o que inclui o uso de palavras como “guerra” ou “invasão” em vez de “operação militar especial”.

Sair do país tornou-se uma opção para opositores à guerra e para quem teme o advento de anos negros devido às sanções impostas pelo Ocidente. “É uma questão de semanas até o Estado deixar de conseguir pagar aos seus funcionários – médicos, professores, administradores, mas também a polícia, o complexo industrial militar e mesmo os militares”, considera Olga Chyzh, professora de Ciência Política da Universidade de Toronto.

Ainda assim, a docente norte-americana escreveu no Twitter que não acredita que as sanções aos oligarcas russos sirvam para derrubar o Governo: “Putin é o protector deles. Se ele se for embora, eles perdem os activos que têm na Rússia e podem enfrentar acusações de corrupção ou pior. Por muito tristes que fiquem por perder os seus bens no Ocidente, os oligarcas têm mais a perder se Putin não estiver lá para os proteger.”

Uma ideia semelhante é defendida por Wolfgang Münchau na The Spectator. “Apreender os iates de alguns oligarcas é uma das muitas formas de não resolver este problema”, escreveu, defendendo que se devia parar de importar gás e petróleo à Rússia (uma opção já rejeitada por Berlim).

Num país em que praticamente toda a comunicação social independente suspendeu ou foi obrigada a suspender a sua actividade e as principais redes sociais não estão a funcionar, as fontes de informação mais relevantes neste momento são detidas, financiadas ou condicionadas pelo Kremlin. Se as referências à guerra são escassas ou inexistentes, o impacto económico das sanções no dia-a-dia é impossível de esconder. Já se sente e a União Europeia e os EUA acreditam que vai piorar ainda mais.

Mas não é líquido que isso venha a ter o efeito de maior pressão popular sobre Putin. Uma sondagem do centro de inquéritos Levada, divulgada na sexta-feira, mostra que a taxa de aprovação do Presidente russo atingiu em Fevereiro o valor mais alto desde Outubro de 2019, situando-se agora nos 71%. Está, ainda assim, longe dos 89% alcançados em 2015 e dos 83% de quando a Rússia invadiu a Geórgia, em 2008.

O trabalho de campo para este estudo terminou a 21 de Fevereiro, três dias antes da invasão da Ucrânia. A avaliação sobre o estado do país não é tão consensual como Putin: 52% dos russos pensam que o país está a ir “na direcção certa”, enquanto 38% consideram o contrário, havendo ainda 10% que acham a pergunta “difícil de responder”.

Nem o primeiro-ministro nem o Governo conseguem taxas de aprovação como as do Presidente, que também viu aumentar o nível de confiança sentido pelos cidadãos, de 33% para 34%. A subida maior neste indicador foi, contudo, a do ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, que saltou dos 11% para os 14% e ultrapassou o ministro da Defesa, Serguei Shoigu (12%), e o primeiro-ministro, Mikhail Mishustin (12%).

Outro estudo de opinião do mesmo centro, que terminou as entrevistas a 23 de Fevereiro (véspera do começo da invasão), mostra que a percentagem de pessoas que considera os EUA e a NATO responsáveis pelo agravamento da situação na Ucrânia subiu de 50% em Novembro para 60% agora.

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