Serguei Lavrov, o “Mr. Nyet” em que Putin pode confiar

Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia desde 2004, Lavrov ganhou a fama de negociador intransigente, mas honesto, seguindo à risca a linha definida pelo Kremlin.

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Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia Reuters/RUSSIAN FOREIGN MINISTRY

Para os diplomatas ocidentais, Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros russo desde 2004, é o mais intransigente dos negociadores, o “Mr. Nyet”, alcunha que herdou de Andrei Gromyko, o mítico chefe da diplomacia soviética durante 28 anos. Na última terça-feira, em Genebra, foi o mundo que lhe disse não, quando dezenas de diplomatas lhe viraram as costas e abandonaram a sala quando Lavrov se preparava para falar, por videoconferência, no Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas.

Na semana anterior, dois dias depois da invasão da Ucrânia, Lavrov vira o seu nome, juntamente com o do Presidente russo, Vladimir Putin, incluído num novo pacote de sanções. O rígido, mas ainda assim respeitado chefe da diplomacia do Kremlin passou, num instante, a ser um pária internacional.

Visto como um negociador “duro, confiável e extremamente sofisticado”, nas palavras de Bobo Lo, especialista em política externa russa na Chatham House, Serguei Lavrov tem sido, durante as quase duas décadas à frente do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia um fiel seguidor da linha oficial do Kremlin.

“Não podemos dançar tango com Lavrov, porque ele não está autorizado a dançar”, disse em 2017 Rex Tillerson, o efémero secretário de Estado norte-americano da Administração de Donald Trump.

A falta de autorização para “dançar” do chefe da diplomacia russa ficou visível perante o mundo durante a coreografada e televisionada reunião do Conselho de Segurança da Rússia, uma semana antes da invasão da Ucrânia. Quando Vladimir Putin lhe perguntou se ainda seria possível uma solução diplomática, a resposta de Lavrov pareceu sair de um guião que já estava bem decorado: “As nossas possibilidades ainda não estão esgotadas, mas não devem continuar indefinidamente. Sugeria que continuássemos a tentar”.

“A sua moralidade é o Estado russo”, disse um dia John Negroponte, que foi embaixador dos EUA nas Nações Unidas entre 2001 e 2004, período em que Lavrov desempenhou a mesma função em nome da Rússia. A reaproveitada alcunha de “Mr. Nyet” começou precisamente por essa altura, quando Vladimir Putin, que acabara de suceder ao enfraquecido Boris Ieltsin, decidiu que chegara a altura de a Rússia voltar a mostrar o seu músculo geopolítico.

Promovido à liderança da diplomacia russa em Março de 2004, Lavrov depressa se tornou no ministro dos Negócios Estrangeiros que Putin precisava para exibir internacionalmente a força da nova Rússia. Após a queda da União Soviética, a Federação Russa só vetara duas resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Desde 2004, a Rússia já utilizou o poder de veto em 27 ocasiões, a última das quais a 25 de Fevereiro, quando, naturalmente, bloqueou a resolução a condenar a invasão da Ucrânia.

Lavrov tentou sempre projectar exteriormente a imagem de um ministro dotado de alguma independência ideológica, um homem com um espírito verdadeiramente internacional, um apreciador de whisky, longe do estilo cinzento da maior parte do círculo de militares e antigos membros dos serviços secretos que rodeiam Putin, apreciado pelo seu profissionalismo.

No entanto, Lavrov também nunca escondeu a sua nostalgia pela era soviética nem um acentuado desprezo pelo Ocidente. Num longo artigo publicado no ano passado na revista Russia in Global Affairs, denunciou a “agressiva minoria russofóbica que, cada vez mais, define a política da União Europeia”, escrevendo que chegara a altura de “o Ocidente simplesmente reconhecer que existem outras maneiras de governar que podem ser diferentes das abordagens ocidentais, e aceitar e respeitar isso como um dado adquirido”.

Nesse mesmo artigo, por entre bizarrias - “em alguns países ocidentais, os estudantes aprendem na escola que Jesus Cristo era bissexual” - Lavrov alegava que a política da NATO e da UE destinava-se a “subjugar outras regiões do globo numa autoproclamada missão messiânica”, sem se desviar da linha do Kremlin de que o alargamento da Aliança Atlântica seria inaceitável. Mantra que repetiu esta quinta-feira, quando acusou a NATO de estar a tentar reforçar a segurança do Ocidente à custa da Rússia.

Nascido em 1950 em Moscovo, filho de um arménio de Tbilissi (Geórgia) e de uma russa, Serguei Viktorovich Lavrov formou-se no prestigiado Instituto de Relações Internacionais da então capital da União Soviética. O seu primeiro posto diplomático foi no Sri Lanka, para onde foi destacado em 1972 pelo simples facto de falar cingalês. Regressado a Moscovo em 1976, passou vários anos na Secção Internacional de Relações Económicas da URSS antes de ser enviado para Nova Iorque como conselheiro da missão permanente da União Soviética nas Nações Unidas.

A queda da URSS não interrompeu a carreira diplomática de Lavrov, que dirigiu os departamentos de Direitos Humanos e Cooperação Cultural Internacional da Federação Russa antes de ser nomeado embaixador nas Nações Unidas em 1994, ano em que, curiosamente, assinou com os EUA e o Reino Unido o Memorando de Budapeste, no qual a Rússia garantia a segurança das fronteiras da Ucrânia.

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