Apoio internacional à Ucrânia continua a derrubar tabus

Suíça abandona neutralidade para apoiar sanções da UE, Finlândia envia armas. No terreno os militares russos demoram a avançar, o que leva a temer tácticas mais brutais.

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Muitos habitantes da capital preparavam provisões quando se teme um cerco à cidade,Muitos habitantes da capital preparavam provisões quando se teme um cerco à cidade EPA/MIKHAIL PALINCHAK,EPA/MIKHAIL PALINCHAK
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O metro de Kiev continua a ser um local de refúgio EPA/ANDRII NESTERENKO

A certeza de que, em muitos sentidos, a ofensiva iniciada pela Rússia na última quinta-feira vai marcar um antes e um depois cresce à medida que caem tabus e são tomadas decisões até há pouco tempo consideradas impensáveis. O dia em que a Assembleia Geral da ONU se reuniu numa sessão extraordinária, a primeira desde 1982, por causa da guerra do Líbano, foi aquele em que a Finlândia (que não pertence à NATO) anunciou pela primeira vez o envio de armas para a Ucrânia e em que a habitualmente neutral Suíça disse que se vai juntar aos países da União Europeia e adoptar todas as sanções que o bloco decretar a pessoas e empresas russas e congelar os seus bens.

“Estamos numa situação extraordinária em que é possível decidir medidas extraordinárias”, declarou o Presidente e ministro dos Negócios Estrangeiros suíço, Ignazio Cassis, justificando o desvio da tradicional política de neutralidade. A invasão russa está a levar a mudanças rápidas na política de alguns países, com a Finlândia a ter, pela primeira vez, uma maioria de apoio a uma potencial adesão à NATO. Isto depois do terramoto político na Alemanha, com uma viragem da política externa e de defesa, não só com envio de armas mas mais do que isso, uma mudança na ideia de que o país precisa de ter umas Forças Armadas fortes para defender o seu modo de vida.

Noutra decisão que até há dias era vista como muito difícil, o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, confirmou que Ancara vai limitar o acesso de embarcações militares russas aos estreitos do Bósforo e dos Dardanelos, que ligam o mar Mediterrâneo ao mar Negro. Os navios militares podem passar, no entanto, caso estejam a regressar à base em que se encontram registados. Só no domingo é que Erdogan se referiu pela primeira vez à situação na Ucrânia como “uma guerra”, o que abriu caminho a esta acção nos dois estreitos (a convenção de Montreux dá à Turquia a prerrogativa de bloquear a passagem a navios militares em tempo de guerra). Membro da NATO, o país mantém uma relação próxima com a Rússia e começou por apostar numa posição o mais equidistante possível.

Entre países que estavam a evitar pronunciar-se, também Israel condenou, entretanto, a invasão russa da Ucrânia, também no domingo, pela voz do ministro dos Negócios Estrangeiros Yair Lapid.

“A ofensiva na Ucrânia tem de parar”, disse o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, na Assembleia Geral, descrevendo a decisão russa de pôr armas nucleares em “alerta máximo” como “arrepiante”. “A mera ideia de um desenvolvimento nuclear é simplesmente inconcebível”, afirmou Guterres, antes de manifestar as suas expectativas de que as negociações directas entre as delegações ucraniana e russa cheguem depressa a acordo para pôr fim ao conflito.

“Um cessar-fogo imediato e a retirada das tropas russas” eram precisamente os objectivos da delegação ucraniana na reunião com representantes russos que decorrer na Bielorrússia, perto da fronteira com a Ucrânia (a delegação russa não revelou as suas reivindicações). As negociações, propostas pela Rússia – segundo muitos analistas, apenas com a intenção de escalar o conflito, podendo dizer que tentou a via do diálogo – terminaram com a promessa de serem retomadas nos próximos dias.

Um dia depois de ter decidido pela primeira vez financiar a compra de armas e equipamentos letais a pedido da Ucrânia, a União Europeia anunciou a criação de uma célula em Bruxelas que vai coordenar a compra destas armas. Em simultâneo, a Comissão Europeia decidiu mobilizar o centro europeu de satélites, com sede em Madrid, para auxiliar os serviços secretos ucranianos.

A Rússia respondeu dizendo que os países que forneçam armas letais à Ucrânia irão ser responsabilizados pelos danos que estas causarem se forem usadas contra as forças russas. A UE, lê-se ainda numa declaração do Ministério dos Negócios Estrangeiros, não irá evitar “uma retaliação forte” pelas medidas que tomou contra a Rússia.

No terreno, as forças russas continuavam a encontrar resistência e a coluna militar que se encaminhava para a capital ucraniana, Kiev, estava já à noite a 19 quilómetros da cidade. Segundo imagens de satélite da empresa Maxar Technologies, a coluna estende-se por quase cinco quilómetros.

Os Estados Unidos acreditam que os militares russos vão cercar Kiev em breve, antecipando que os ataques se podem tornar mais agressivos, “tanto na dimensão como na escala”, face à capacidade que os ucranianos têm tido para atrasar o progresso russo (com erros de planeamento a deixar mesmo algumas unidades sem combustível). “Esperamos que queiram continuar a avançar e que tentem cercar a cidade nos próximos dias”, afirmou um responsável do Pentágono, ouvido por jornalistas em Washington e citado pela Reuters.

Kiev vai-se enchendo de barricadas, umas erguidas por forças militares convencionais, outras por civis que se voluntariaram para combater, descrevem os enviados dos diários The Guardian e El País. Alguns têm atrás de si dezenas de cocktails Molotov (na sexta-feira, o Ministério da Defesa encorajou os residentes a preparem estas armas incendiárias), outros estão bem armados. Enquanto na capital se espera pelo grande assalto, os ataques mais fortes do exército russo centraram-se em Kharkiv, provocando dezenas de mortes, segundo o ministro do Interior.

O Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, anunciou que os prisioneiros com experiência em combate vão ser libertados, numa decisão que confessou ser “difícil”. Estes prisioneiros “irão compensar a sua culpa nos locais mais difíceis da guerra”, disse Zelensky, que ora tem sido visto como um herói por ter recusado sair do país e recusado uma oferta dos EUA para o retirar, ora tem também sido criticado por não permitir a saída de homens com idades entre os 18 e 60 para que fiquem a combater a invasão russa. Segundo uma sondagem feita no fim-de-semana pelo instituto Rating Sociological, Zelensky tem o apoio de 91% dos inquiridos na Ucrânia (não foram ouvidas pessoas no Donbass nem na Crimeia), com 6% a oporem-se às suas acções e 3% de indecisos.

Zelensky, que se tem desdobrado em contactos sucessivos com líderes dois países aliados, pressionando-os para apoiarem o seu país de todas as formas, assinou um documento em que a Ucrânia pediu formalmente adesão à União Europeia, uma acção sobretudo simbólica.

Passadas poucas horas, vários presidentes de alguns Estados-membros publicaram uma carta aberta apelando à possibilidade de uma candidatura rápida do país à UE: Bulgária, República Checa, Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, Eslováquia e Eslovénia “acreditam fortemente que a Ucrânia merece receber uma perspectiva imediata de adesão à União Europeia”. Na carta, é ainda pedido que “os Estados membros consolidem o seu maior apoio político à Ucrânia e permitam às instituições da UE dar passos que levem a uma concessão imediata à Ucrânia de estatuto de país candidato e que abra o processo de negociações”.

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