Os 50 anos de Glastonbury celebram-se online e há um arquivo para desenterrar

Exposição virtual preparada pelo Victoria and Albert Museum partilha fotografias que marcaram as muitas celebrações na Worthy Farm e artigos em profundidade sobre a sua história no ano das bodas de ouro. Há também direito a uma playlist organizada pelos festivaleiros — que podem escrever e partilhar as suas memórias de Glastonbury com a organização.

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Imagem do festival nos anos 90 Museu Vitória e Alberto / Ann Cook

Este ano, o festival de Glastonbury, que em 2020 celebra as bodas de ouro, apagando 50 velas, teria, para citar apenas alguns nomes, Kendrick Lamar, Taylor Swift, Paul McCartney, Dua Lipa, Fatboy Slim, FKA Twigs, Thom Yorke, Diana Ross, Lana Del Rey, os Primal Scream e os Manic Street Preachers nos palcos da Worthy Farm, ​o terreno agrícola que é a casa do festival desde o início. A pandemia impossibilitou esses planos, mas, em colaboração com o Victoria and Albert Museum, que detém o seu arquivo, a organização preparou uma exposição online que, entre entrevistas, fotografias, cartazes antigos e outras relíquias, lembra algumas das memórias deste que é um dos mais importantes festivais de música na Europa.

A mostra virtual arrancou na segunda-feira e mantém-se disponível durante sete dias, apanhando aquelas que teriam sido as datas da edição especial. Um dos primeiros destaques no acervo vai para o cartaz do ano inaugural, que, quando o festival ainda se chamava “Pilton Pop, Folk and Blues, tinha como principais atracções os The Kinks — que acabariam por não comparecer, apesar de tudo, sendo substituídos pelos T-Rex de Marc Bolan — e Ian Anderson, dos Jethro Tull, banda importante do rock progressivo britânico dos anos 70.

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O cartaz da edição de 1970 garantia "comida a preços justos" e bilhetes a uma libra Glastonbury

Para além de desenterrar muitas das históricas fotografias capturadas na Worthy Farm, e alguns dos cartazes mais recheados — a edição de 1995 oferecia, com o auge da Britpop ainda no imaginário do Reino Unido, os Oasis na ementa principal, devidamente acompanhados pelos Stone Roses, os The Cure, os Jamiroquai, Jeff Buckley ou PJ Harvey —, a exposição inclui artigos em profundidade sobre as raízes de Glastonbury e a forma como, atravessando gerações, abraçou diversas fashion statements que deixaram uma marca na cultura britânica e europeia.

Para quem esteve numa das edições e quer ajudar nesta comemoração à distância, há ainda o Glastonbury Festival People’s Playlist: uma lista de reprodução colaborativa no Spotify à qual os fãs podem juntar os temas que ouviram nos palcos da Worthy Farm e que lhes trazem recordações que até hoje preservam com carinho. “Se calhar foi a Move On Up, de Curtis Mayfield, em 1983. Talvez, terá sido a Morning Glory, dos Oasis, em 1995. Ou uma Beyoncé grávida a cantar Crazy In Love, em 2011. Ou qualquer faixa do espectáculo majestoso de David Bowie em 2000”, aponta a organização.

Corvos pelo meio

Alguns curadores e membros do Victoria & Albert Museum também deram o seu contributo para a playlist: Tom Windross, por exemplo, lembrou-se do momento em que, em 1995, trocou a actuação dos Pulp pelos Portishead e, na Tenda Acústica, ficou arrepiado com a faixa Glory Box (1995, importará reflectir, marca um período de transição na música britânica, com o denso trip-hop dos Portishead e dos Massive Attack a acelerar o processo de decomposição da Britpop).

Frisando que “a experiência do festival vai muito além dos palcos principais e dos concertos”, o sonoplasta Gareth Fry editou “Um dia na vida de Glastonbury”, uma série de gravações com “áudio em 3D” que fazem com que os ouvintes “sintam que estão no recinto”, percorrendo os diferentes sectores e espreitando os soundchecks. E, uma vez que a equipa pretende mapear o seu crescimento ao longo dos anos, os festivaleiros estão a ser convidados a “juntar” as suas memórias ao arquivo de Glastonbury, escrevendo alguns parágrafos que de alguma forma se insiram na “rica e extensa linha temporal da história do festival”.

Uma ideia não muito diferente daquela que, paralelamente, tem sido levada a cabo pela fotógrafa Emma Stoner, que trabalha com o festival e tem desenvolvido My Glastonbury Story, um projecto onde desafia pessoas que já estiveram na Worthy Farm a partilhar fotografias que contem “lembranças pessoais” relacionadas com o evento. Peter Gibson, que ainda era uma criança em 1971, enviou uma fotografia em que surge com um corvo no seu ombro. Esse corvo, escreveu, decidiu fazer-lhe companhia durante quase toda a edição. “Foi uma amizade estranha: eu tinha maus presságios com corvos por causa d’O Senhor dos Anéis e d’Os Pássaros [filme de Alfred Hitchcock], mas não tinha medo nenhum deste rapaz.”

Para abrir o champanhe em grande, a organização preparou também uma espécie de edição virtual, com listas de reprodução daqueles que seriam os nomes de 2020 nos palcos principais e um documentário filmado em 2017 com os bastidores do palco John Peel — baptizado pelo lendário radialista do condado de Merseyside que morreu em 2004 e foi responsável por, durante várias décadas, “colocar no mapa” internacional muitas das grandes bandas do Reino Unido. O programa apoia-se na iniciativa da plataforma de streaming BBC iPlayer, que, durante este fim-de-semana, disponibilizará na íntegra algumas das melhores actuações desde que o festival começou a ser transmitido na televisão, em 1997. A título exemplificativo, poderão ser vistos concertos de nomes como Beyoncé, Jay-Z, Adele, Oasis, David Bowie, The Chemical Brothers, Amy Winehouse ou os Toots & The Maytals, histórico grupo jamaicano de ska e reggae.

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