Haja esperança: Orlando Nascimento demitiu-se

Orlando Nascimento demitiu-se, para nosso alívio e para bem da Justiça. Num país habituado a enterrar a cabeça na areia para contornar os problemas, o gesto deve ser assinalado.

Aconteceu o que tinha de acontecer: o presidente do Tribunal da Relação de Lisboa demitiu-se das suas funções e ao fazê-lo deixou o país cada vez mais descrente da sua Justiça aliviado.

Como já aqui tínhamos escrito (em consonância com idênticas opiniões vindas de diferentes sectores da vida pública), o conjunto de suspeitas de ilegalidades que impendiam sobre o juiz Orlando Nascimento eram um vírus que inquinava todo o edifício da Justiça.

Não o atacar na sua raiz seria devastador não apenas para o tribunal onde se decidem uma boa parte dos grandes casos da Justiça portuguesa, como para todos os juízes e para todos os tribunais. Felizmente, os receios da repetição da terapia dos paninhos quentes com que a política ou a Justiça costumam adiar os seus problemas não se repetiram. Orlando Nascimento sai pelo seu próprio pé e isso é uma boa notícia.

A resignação do magistrado sobre o qual impendem suspeitas de alegadas ilegalidades no sorteio da distribuição de processos é a melhor forma de proteger a imagem dos juízes e dos tribunais. A pressão pública que tornou esta decisão inadiável é por isso um bom sintoma de vitalidade democrática.

A imprensa, em especial o PÚBLICO, foi revelando as suspeitas em torno do actual e do anterior presidente da Relação de Lisboa, a organização sindical dos juízes pediu uma sindicância, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa exigiram medidas para garantir a “confiança” dos cidadãos no sistema, o Conselho Superior da Magistratura mostrou sentido de urgência na análise do problema e o Presidente da República prometeu falar depois da sua reunião desta terça-feira. Desta vez, o país político e judicial assumiu as responsabilidades que se lhe exigem.

Não podia ser de outra forma. De acordo com as revelações da imprensa, o triângulo formado entre os juízes Rui Rangel, e o anterior e actual presidente da Relação de Lisboa, Luís Vaz das Neves e Orlando Nascimento, era um monumento à denegação de justiça. O simples indício de que haveria escolha de juízes de acordo com o interesse de uma das partes envolvidas nos processos bastava para que todos os alicerces de uma sociedade democrática, os que sustentam o Estado de direito ou a igualdade de todos perante a lei, ficassem comprometidos.

No meio deste cenário de extrema gravidade, houve ao menos a lucidez e a decência de Orlando Nascimento em responder às preocupações da cidadania. Demitiu-se, para nosso alívio e para bem da Justiça. Num país habituado a enterrar a cabeça na areia para contornar os problemas, o gesto deve ser assinalado.

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