“Os filmes livres têm um espaço chamado Doclisboa”

O festival dirigido por Cíntia Gil, que decorre de 17 a 27 deste mês, revela esta quarta-feira o seu programa completo: serão 303 filmes, com uma especial atenção à produção nacional e zooms ao Brasil e à Alemanha de Leste.

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La Verdad Interior, da argentina Sofía Brito, concorre na Competição Internacional do Doclisboa DR

Um festival “lúdico e de experimentação”, “aberto a qualquer pessoa”, onde os “filmes livres têm um espaço” – é assim que Cíntia Gil, directora do Doclisboa, fala da 17.ª edição do Festival Internacional de Cinema, que decorrerá de 17 a 27 de Outubro e será apresentada esta manhã em conferência de imprensa. A prová-lo, as “honras da casa” feitas por duas ficções vindas do concurso de Locarno 2019: Longa Noite, do galego Eloy Enciso, que fará a abertura do festival, e Technoboss, do português João Nicolau, que o encerrará, confirmam o espaço que o Doc tem procurado ocupar para lá da simples ortodoxia do documentário. 

“Procuramos defender filmes frágeis, filmes-testemunho, filmes que fazem perguntas e se deixam surpreender pela realidade”, diz Cíntia Gil, que este ano se despede da direcção do Doclisboa para assumir os comandos do britânico Sheffield Doc/FestO cinema que o Doc vem explorando assume-se como “uma expressão do real, um encontro entre uma câmara e um mundo”, reitera.

A Competição Portuguesa, sempre o foco das atenções, conta este ano com 11 títulos, dos quais oito se apresentarão em estreia mundial. Entre eles: Viveiro, terceira longa de Pedro Filipe Marques (A Nossa Forma de Vida), apresentada como work in progress em Locarno 2018; Fantasmas: Caminho Longo, com o qual Tiago Siopa venceu o prémio de pós-produção do workshop Arché organizado pelo festival em 2018; Raposa, média de Leonor Noivo que saiu do FIDMarseille com uma menção especial; ou Prazer, Camaradas!, de José Filipe Costa, estreado este ano em Locarno. A lista completa-se com Cerro dos Pios, de Miguel de Jesus, Curtir a Pele, de Inês Gil, L’Histoire sans majuscules, de Saguenail, Outside the Oranges Are Blooming, de Nevena Desivojevic, Três Perdidos Fazem um Encontrado, de Atsushi Kuwayama, Vulcão: O que Sonha um Lago, de Diana Vidrascu e War Diaries, de Luís Brás.

Mas a presença portuguesa não se resume à competição nacional: pelas restantes secções surgirão filmes que têm feito o circuito de festivais, como as curtas Six Portraits of Pain e Où en êtes-vous, Teresa Villaverde?, de Teresa Villaverde, e Sol Negro, de Maureen Fazendeiro, e as longas Serpentário, de Carlos Conceição (estreada no Festival de Berlim), e Danses macabres, squelettes et autres fantaisies, de Pierre Léon, Rita Azevedo Gomes e Jean-Louis Schefer (menção especial no FIDMarseille).

O único título português na Competição Internacional, com um total de 14 filmes a concurso, é a curta Eu Não Sou Pilatus, do luso-guineense Welket Bungué. Quatro dos 14 títulos são estreias mundiais – entre eles Santikhiri Sonata, do tailandês Thunska Pansittivorakul, e A New Environment: Heinrich Klotz on Architecture and New Media, do alemão Christian Haardt, a partir da obra do aclamado crítico de arte e arquitectura. A destacar ainda o espantoso diário fílmico do francês Frank Beauvais, Ne croyez surtout pas que je hurle, e para o documentário da brasileira Jô Serfaty, Um Filme de Verão.

O Brasil na mira

Numa homenagem especial ao cinema brasileiro e à sua difícil situação actual que mantém vivas as credenciais activistas que o Doc tem manifestado nos últimos anos (“porque o cinema se tornou cada vez mais político e já toda a gente sabe que ninguém é neutro”, nota Cíntia Gil), o festival aposta forte na fervilhante produção contemporânea daquele país. Para lá de um mini-ciclo dedicado ao cineasta Eduardo Coutinho (1933-2014) e do documentário de Miguel Faria Jr. Chico: Artista Brasileiro (recentemente visado pelo governo de Jair Bolsonaro, que quis impedir um festival uruguaio de o exibir), haverá os documentários Chão, de Camila Freitas, O Último Sonho, de Alberto Álvares, e Dorival Caymmi – um Homem de Afetos, de Daniela Broitman.

Na Heart Beat, a secção dedicada aos documentários sobre as artes, destacam-se também duas estreias nacionais: o documentário que Manuel Mozos dedica a Sophia de Mello Breyner Andresen, Sophia, na Primeira Pessoa, e Zé Pedro Rock’n’Roll, de Diogo Varela Silva, sobre o guitarrista dos Xutos & Pontapés. Acompanham-nos a cópia restaurada de Don’t Look Back, filmado por D. A. Pennebaker (1925-2019) durante uma digressão inglesa de Bob Dylan; o mais recente documentário de Abel Ferrara, The Projectionist, carta de amor às salas de cinema nova-iorquinas; e títulos sobre o coreógrafo Jérôme Bel, a crítica Pauline Kael, o cantor Daniel Darc, ou o realizador Milos Forman (1932-2018). Uma nota especial para Delphine et Carole, insoumuses, de Callisto McNulty, acompanhado em contexto pelos filmes realizados por Delphine Seyrig e Carole Roussopoulos em plena efervescência do feminismo em França.

Para além dos títulos já anunciados na secção Da Terra à Lua (com filmes de Werner Herzog ou Lech Kowalski) e das retrospectivas sobre o cinema da Alemanha de Leste – Ascensão e Queda do Muro – e sobre a libanesa Jocelyne Saab, haverá também uma sessão de homenagem à recém-falecida cineasta americana Barbara Hammer, a par da apresentação de obras do francês Alain Cavalier (com a exibição do seu novo filme Être vivant et le savoir e da série 6 portraits XL), do americano Kevin Jerome Everson e da canadiana Sofia Bohdanowicz.

Vão ser ao todo 303 filmes para dez dias de cinema, espalhados pelas salas da Culturgest, da Cinemateca Portuguesa e dos cinemas Ideal e São Jorge, com festas diárias no bar A Barraca. A programação completa pode ser consultada em www.doclisboa.org .

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