Morreu D.A. Pennebaker, o cineasta que filmou John F. Kennedy e Bob Dylan

Primary, a acompanhar a campanha para as primárias no Partido Democrata do futuro Presidente americano, e Don’t Look Back, sobre uma digressão inglesa de Dylan, são dois momentos maiores na obra deste autor grandíssimo e fundamental.

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Em Don't Look Back, Pennebaker segue uma digressão inglesa de Bob Dylan DR

O realizador norte-americano D.A. Pennebaker, figura fundamental do documentarismo e responsável por alguns dos mais expressivos encontros entre o cinema e a música popular anglo-saxónica da segunda metade do século XX, morreu no passado dia 1 de Agosto, aos 94 anos. Foi ele, naquele que será o momento da sua obra mais recordado e mais cheio de consequências, quem seguiu Bob Dylan numa digressão inglesa, em meados dos anos 1960, para o que viria a ser Don't Look Back, ao mesmo tempo um contributo revolucionário para a história do documentário cinematográfico e uma peça crucial na constituição de uma “iconografia” dylaniana de impacto nunca desvanecido (e foi, por exemplo, uma referência central para o célebre filme em que Todd Haynes ensaiou um olhar sobre as “identidades” de Dylan, I'm Not There, nos anos 2000).

Donn Alan Pennebaker, natural do Illinois, onde nasceu a 15 de Julho de 1925, chegou ao cinema em moldes completamente amadores. O seu primeiro filme foi rodado nessas condições, em 1953, e apenas divulgado bastantes anos depois: Daybreak Express, um belíssimo olhar sobre o bulício ferroviário de Nova Iorque, seguindo os comboios que vêm dos subúrbios e os passageiros que seguem para Manhattan para mais um dia de trabalho, numa montagem fragmentada e musical que é como uma aplicação dos princípios das “sinfonias urbanas” dos anos 20 à Nova Iorque dos anos 50.

No fim dessa década, e já “profissionalizado”, Pennebaker foi trabalhar com Robert Drew e Richard Leacock para a Drew Associates e foi um dos envolvidos (como operador de câmara e montador) no célebre Primary, de 1960, que seguia a campanha para as primárias do Partido Democrata (e nomeadamente a figura de John Fitzgerald Kennedy) e foi um dos marcos fundadores daquilo que ficou conhecido como o “direct cinema”, o “cinema directo”, a extrema mobilidade das pequenas câmaras de 16mm acompanhada pela possibilidade de gravar som síncrono e directo. Em mais do que um sentido, o documentário “moderno” nascia ali.

A questão técnica conciliar a espontaneidade e a liberdade da câmara com a captação sonora límpida e directa era por esses anos a principal preocupação de Pennebaker na Drew Associates. Primary, achava, ainda não era o ideal, e o cineasta esperava o momento certo para desenvolver esses procedimentos. A oportunidade surgiu num belo dia em que Albert Grossman (então, o manager de Bob Dylan) telefonou para a Drew Associates a propor um filme com o seu agenciado, a rodar durante a sua tournée inglesa. Pennebaker, que era o único de entre os seus colegas a conhecer minimamente Dylan, disse logo que sim, mas, como contou mais tarde, mesmo que nunca tivesse ouvido falar dele, também teria dito que sim: as condições propostas pareciam-lhe perfeitas para o seu desejo de experimentação. Veio a ser Don't Look Back, marco do documentarismo americano e do imaginário dylaniano, invenção do “documentário rock” (e, em certa medida, do “clip musical") e testemunho, “em directo”, do agitado ambiente da cultura popular ocidental em meados dos anos 1960, espécie de “missing link” entre os filmes dos Beatles e o Maio de 68.

Assim, involuntariamente mas sem o desdenhar, Pennebaker tornou-se um “documentarista rock": filmou o Monterrey Pop em 1968, registando o festival homónimo; e filmou David Bowie nos anos 1970, no concerto em que o cantor se despediu da persona de Ziggy Stardust e das Spiders from Mars, entre vários outros encontros ao longo de décadas com figuras do universo musical (um dos últimos foi com os National, em 2010, num “filme-concerto” feito quando Pennebaker já tinha 85 anos) – a partir de certa altura, em colaboração com a mulher, Chris Hegedus, que co-assina ou tem funções essenciais em todos os seus filmes desde a década de 1980.

Atraído pelas áreas mais marginais e experimentais da criação cinematográfica, Pennebaker acolheu Jean-Luc Godard, quando este fez a sua primeira tentativa de realizar um “filme americano” seria One A.M., em final dos anos 60, que depois, quando o cineasta suíço se desinteressou, Pennabaker montou numa versão a que chamou One P.M..

Um dos seus últimos filmes a entrarem num território documental puro e duro foi também um regresso aos ambientes de Primary: The War Room, estreado em 1993, que seguia o staff da campanha eleitoral do futuro presidente americano Bill Clinton.

D.A. Pennebaker morreu aos 94 anos, na sua casa em Long Island, e ainda em plena actividade. O seu nome talvez não diga muito ao espectador comum, mas que não haja dúvidas: era um cineasta grandíssimo e fundamental, alguém que contribuiu para fazer do cinema uma coisa um pouco diferente (e um pouco mais rica) do que era antes da sua acção.

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