Maioria dos partidos critica-o, mas Carlos Costa não assume erros

Até a “falha grave”, circunstância em que o governador do Banco de Portugal pode ser demitido, surgiu na audição da comissão de inquérito ao Banif.

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Carlos Costa na entrada para a comissão Miguel Manso

Ao longo de quase seis horas de audição, Carlos Costa distribui culpas por toda a gente envolvida no processo Banif. Foram os governos (o anterior e o actual) que tomaram as decisões. “O Banco de Portugal aconselha, não decide nem impõe.” Foram as autoridades europeias que ora bloquearam, ora demonstraram “má vontade”. A administração do Banif foi incapaz. “Ao fim de três anos não foram capazes de aprovar um plano de reestruturação.” E mesmo os restantes administradores do banco central terão de responder por si, porque o governador não tem presentes algumas “questões de detalhe”.

O exercício foi tão complicado que, já à beira do fim, João Almeida, do CDS, o resumiu numa aparente contradição: “Tudo aquilo que era culpa das instâncias europeias na primeira ronda passou a ser da responsabilidade da administração. Isto junto não faz sentido nenhum…”. Antes, já Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, exprimira a frustração dos deputados: “Estou a tentar perceber para que é que o Banco de Portugal serviu neste processo. Mas está a ser muito difícil.”

Miguel Tiago, do PCP, resumiria em duas tiradas a impressão que lhe causou a prestação do responsável máximo pela supervisão da banca nacional, ao responder perante os deputados que investigam a mais recente queda de um “banco sistémico”. “O Banco de Portugal é uma espécie de agência de comunicação dos bancos”, desabafou o deputado, perante o sorriso – nada trocista – do regulador bancário. Antes, o mesmo deputado comparara o governador a um polícia sinaleiro que culpa o seu superior (o BCE) pelos acidentes que acontecem à sua frente.

Foi, contudo, do PS que veio o ataque mais cerrado ao governador. Não por ser o mais vigoroso, ou sequer o mais acutilante, mas por ser o que demonstra um objectivo. João Galamba começou a sua inquirição com uma pergunta reveladora desse propósito: "O que é que considera ser uma falha grave de supervisão?", questionou.

A pergunta tem um subtexto. A única hipótese, ainda que vaga e remota, de exoneração de um governador do Banco de Portugal (que é estatutariamente inamovível) só está prevista na lei orgânica do regulador nos seguintes termos: “Um governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave”.

Galamba não recebeu uma resposta directa, mas percebeu-se, pela sua insistência num ponto concreto, que antevê a possibilidade de alegar a “falha grave” num determinado momento da história do Banif: o final de 2012, quando Carlos Costa convenceu Vítor Gaspar a injectar 1100 milhões de euros num banco cuja viabilidade era contestada.

Gaspar revelou “surpresa”, como o PÚBLICO já noticiou, e resistiu à ideia, mas acabaria por assinar com o seu nome a decisão. Carlos Costa atribuiu-lhe toda a responsabilidade. Galamba insistiu: onde estavam os números que provavam a viabilidade do Banif, condição necessária para que a capitalização pública fosse legal à luza da legislação europeia? “O Banco de Portugal não inventa números”, respondeu Costa, já indisposto. “Não inventa números, mas inventa viabilidades financeiras onde elas não existem”, reagiu o deputado do PS.

Se as críticas dos socialistas não são surpreendentes, até à luz da muito debatida vontade de substituir o governador, foi interessante perceber a quase unanimidade que suscita entre os deputados a ideia de que Carlos Costa tem contas a prestar pelo que se passou. Até o PSD, o partido que menos criticou Carlos Costa, começou a sua intervenção com uma pergunta retórica: “Onde esteve a supervisão?", questionou Marques Guedes.

Ainda há menos de um ano, o CDS e o PSD fizeram a defesa de Carlos Costa, neste mesmo Parlamento, nesta mesma sala 1, quando o ouviram no momento da sua recondução, pelo anterior Governo. Mas isso foi antes da resolução do Banif.

Hoje, o CDS não deixa margem para dúvidas sobre a sua posição. João Almeida, nas duas rondas de perguntas que fez, levou Carlos Costa a um beco sem saída. Primeiro, interrogando com persistência o responsável pela supervisão financeira sobre a ausência de registos escritos, documentais, de decisões tão importantes como a da suspensão do estatuto de contraparte face ao BCE. Depois pondo em evidência que a história que o governador decide contar não está acompanhada de nenhum suporte factual: “Onde é que está escrito que a estratégia do conselho de administração era errada?”, questionou. Nas centenas de mails e cartas trocadas entre o Banco de Portugal, as instâncias europeias e o Governo, é raro encontrar (só na fase final) qualquer crítica do governador à equipa liderada por Jorge Tomé e Luís Amado. 

Carlos Costa justificou-se – “um governador tem de fazer um uso sábio do que diz, e o uso sábio não é incendiário” – sobre os momentos em que pareceu não estar a cumprir a sua função. E não hesitou em elogiar-se quando esteve em causa a forma como acompanhou o Banif: "Indiquem-me um supervisor europeu que tenha feito um exercício mais intrusivo."

“O senhor participou numa farsa que durou dois anos”, acusou Mariana Mortágua. A resposta era mais ou menos a mesma de sempre. O Banco de Portugal “apenas emite pareceres”. Tinha de demonstrar “solidariedade com o conselho de administração do Banif”. E só fez o que fez porque não havia outra “solução viável”. 

Na resolução, o último capítulo só tinha uma alternativa. Seria a "liquidação". Que teria um custo superior e não acautelava os efeitos negativos, dada a "importância sistémica" do Banif. Mas isso, para o governador, além de constituir um "evento sem precedentes", colocaria em jogo a estabilidade do sistema financeiro e descapitalizaria o Fundo de Garantia de Depósitos, chamado a cobrir o valor a todos os depositantes com quantias abaixo dos 100 mil euros.

A estratégia do governador foi sempre a de se retirar do centro desta fotografia. "A viabilidade de uma instituição de crédito é em grande parte endógena, depende essencialmente da capacidade da sua equipa de gestão", começou por explicar, logo no início da audição. 

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