Bancos já perderam 50 mil milhões de euros com créditos a clientes

Valor diz respeito ao período entre 2008 e 2016. CGD ajudou a subir a factura no último trimestre. Regras vão mudar em Janeiro.

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Ano de 2014 foi o que conheceu maiores perdas REUTERS/Dado Ruvic

Nos últimos nove anos, os bancos presentes no mercado português registaram qualquer coisa como 49.452 milhões de euros em perdas por imparidade (qualquer coisa como 27% do PIB), aproximando-se rapidamente dos 50.000 milhões. E se o pior ano foi o de 2014, com novas exigências de análise do crédito e marcado pelo colapso do BES (8137 milhões de euros), seguindo-se 2012 (com uma profunda recessão que deixou uma cicatriz ainda visível no país), as contas de 2016 também vão ficar na memória do sistema financeiro.  

De acordo os dados divulgados esta sexta-feira pelo Banco de Portugal, o ano passado foi responsável por imparidades de 6097 milhões de euros (montante do impacto negativo com reconhecimento objectivo da perda de valor de activos).  

Este montante, superior ao de 2015 (ver infografia), foi suportado por instituições como o BCP, que no segundo trimestre reforçou o balanço com um elevado nível de imparidades, antes da entrada da Fosun. O destaque, no entanto, vai para a Caixa Geral de Depósitos (CGD), no final do ano. Até Setembro, o sector tinha registado perdas por imparidades (líquidas) de 2767 milhões, valor que disparou depois em mais 3330 milhões no último trimestre.  

No ano passado, só a CGD registou 3017 milhões de euros em imparidades e provisões na recta final do ano, com claro destaque para as primeiras. E a esmagadora maioria das imparidades registadas pela CGD no exercício de 2016 estão ligadas a créditos concedidos, que ficam por pagar, chegando aos 2394 milhões de euros (854 milhões em 2015). A limpeza do balanço, negociada com Bruxelas no âmbito do novo processo de recapitalização e reestruturação do banco público, provocou um prejuízo histórico de 1859 milhões de euros. 

Questionado sobre a origem destas perdas, e quais os principais clientes em falta, o CEO da CGD, Paulo Macedo, deu poucos detalhes. Na conferência de imprensa sobre as contas de 2016, no início de Março, o anterior ministro da Saúde referiu apenas que “uma parte muito significativa” está concentrada num pequeno grupo de cerca de duas centenas de empresas, que afectaram também as contas de outros bancos.

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Impacto no sector

De acordo com o Banco de Portugal, o “reforço significativo das imparidades para crédito” no quarto trimestre fez com que a rendibilidade do sector, positiva até Setembro, “atingisse valores negativos no conjunto do ano”, e fosse pior do que a de 2015. 

Do lado do BCP, maior banco privado, arrumar melhor o balanço, para depois captar novos accionistas e capital (hoje o maior investidor é a Fosun), passou por assumir 1598 milhões de euros em imparidades (e provisões, com um peso bem menos expressivo). Deste valor, 1117 milhões estão ligados à concessão de empréstimos (818 milhões em 2015). Juntando as contas do BCP às da CGD, os dois maiores bancos, a soma chega aos 4615 milhões, dos quais 3511 milhões são imparidades de créditos concedidos a clientes, com destaque para as empresas. Outra componente de imparidades está ligada a activos financeiros como títulos e participações.

Não existe uma análise à tipologia das imparidades por sectores, mas é sabido que um dos mais destacados é o da construção e imobiliário. A Wolfpart, da CGD, ligada a projectos como o do empreendimento do Vale do Lobo, no Algarve, foi responsável por 197 milhões até ao final de 2015. O colapso de empresas fortemente endividadas junto da banca, como a Ongoing, também afectou um conjunto alargado de instituições financeiras. E, pelo meio, há a ironia de bancos provocarem imparidades a outros bancos. O fim do BES/GES provocou um terramoto com impactos no conjunto do país, instituições financeiras incluídas. A CGD nunca chegou a revelar os montantes da sua exposição, mas, no caso do Banif, este revelou uma imparidade de 80 milhões. No meio de tantos mil milhões, não parece muito dinheiro, mas afectou a dinâmica de devolução do dinheiro emprestado pelo Estado (os CoCo’s). Depois, foi o Banif a cair por terra.   

Por seu lado, o Novo Banco, embora tenha ficado com o que se considerou ser os melhores activos do que foi o BES, também tem sofrido fortes perdas. Em 2015, a factura de imparidades foi de 1058 milhões de euros. Estas contas são feitas de acordo com as exigências dos reguladores e estão ligadas às inspecções. Só as acções realizadas aos créditos de grandes clientes, em 2013 e entre esse ano e 2014 (ETRICC e ETRICC2), obrigaram o conjunto das instituições financeiras a assumir 1127 e 1003 milhões de euros, respectivamente.

Novas regras em Janeiro

A palavra “imparidade” é hoje uma espécie de palavrão que já entrou no léxico do quotidiano, depois do défice, da dívida pública e do rating. E é também o sinal de que os problemas da crise que se iniciaram em 2008 no sector financeiro norte-americano ainda não largaram os bancos, seja a nível nacional ou europeu. O reconhecimento de imparidades teve efeitos negativos nos resultados e provocou a necessidade de aumentar o capital das instituições. Isso mesmo foi atestado em Janeiro do ano passado por Carlos Costa, quando destacou o facto de as imparidades terem chegado aos 40 mil milhões de euros entre 2008 e 2014 (na realidade, eram 39.085 milhões). Agora, há que somar mais 10.000 milhões.   

E há ainda muitos empréstimos a pressionar os bancos. De acordo com o BCE, os créditos não produtivos (non performing loans – NPL) das “instituições significativas” da área do euro estavam contabilizados em 921 mil milhões em Setembro do ano passado. E são estes créditos que, ao gerarem sérias dúvidas sobre a sua recuperabilidade, conduzem ao reconhecimento de perdas.

A partir de Janeiro do ano que vem, os bancos vão conhecer novas regras, com a aplicação do Internacional Financial Reporting Standard 9 (IFRS 9), que altera a contabilidade das instituições financeiras. No que respeita às imparidades, segundo esclareceu o Banco de Portugal ao PÚBLICO, foi introduzido “um modelo de perdas esperadas para substituir o de perdas incorridas” que está em vigor. Até aqui, era necessária a “verificação de evidência objectiva de imparidade (trigger event) como pré-requisito para o reconhecimento de perdas”, conduzindo ao reconhecimento tardio das perdas.

As novas regras das imparidades

As três fases do modelo que entra em vigor em Janeiro, de acordo com o Banco de Portugal.

Fase 1  - Abrange os créditos performing, para os quais a imparidade corresponderá às perdas de crédito esperadas num prazo de doze meses.

Fase 2  - Abrange os créditos para os quais se verifica um aumento significativo do risco de crédito desde o reconhecimento inicial do crédito (underperforming), passando a imparidade a reflectir as perdas de crédito esperadas até à maturidade desse mesmo crédito.

Fase 3  - Abrange os créditos designados por nonperforming, em que os juros passam a ser registados com base na aplicação da taxa efectiva ao montante líquido de imparidade. Na mensuração das perdas de crédito esperadas, verifica-se que, além de continuarem a ser consideradas informações sobre eventos passados e condições actuais, passam a ser consideradas as previsões de condições económicas futuras.

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