Criminalização de protestos climáticos está a alastrar-se pela Europa

Leis “draconianas” contra protestos, acusações de “ecoterrorismo”, desmantelamento de organizações ambientalistas, investigações conduzidas pelas unidades anti-máfia. O que está a acontecer na Europa?

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Polícias arrastam activistas climáticos durante um protesto na autoestrada A12 pelo sétimo dia consecutivo, em Haia, Países Baixos. O grupo Extinction Rebellion anunciou que pretende bloquear a autoestrada todos os dias para protestar contra a concessão de subsídios aos combustíveis fósseis por parte do governo ROBIN UTRECHT/EPA
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Aconteceu novamente: esta semana, Greta Thunberg foi detida num protesto à porta de um hotel londrino onde decorria uma conferência sobre petróleo e gás. A activista sueca e 25 outros indivíduos foram acusados por crime de desobediência a ordem de dispersão de reunião pública, já que não cumpriram as instruções que a polícia disse terem sido impostas para evitar “graves perturbações”. Greta Thunberg foi libertada sob fiança e deverá comparecer em tribunal a 15 de Novembro.

As detenções de activistas climáticos, incluindo detenções em massa na sequência de protestos classificados como mais “disruptivos”, não são novidade pelo mundo, mas estão a tornar-se frequentes na Europa.

O Reino Unido já fez aprovar, nos últimos anos, dois pacotes legislativos – leis “draconianas”, como caracterizam algumas organizações – que dificultam as acções de protesto pelo clima, apesar dos vários alertas das entidades internacionais sobre a necessidade de salvaguardar o espaço cívico e não cercear o direito fundamental de organizar protestos não violentos. Entretanto, países como Alemanha ou Itália começam a recorrer a leis contra o crime organizado para justificar investigações aos grupos climáticos.

Em Portugal, na semana passada, a polícia deteve activistas climáticos antes mesmo de começarem a preparar a acção, e poucos dias depois um grupo de estudantes foi impedido de assistir a uma sessão no Parlamento. Enquanto isso, na opinião pública, muitas são as vozes que começam a levantar-se para caracterizar estes activistas como arruaceiros, criminosos ou mesmo “eco-terroristas”.

O que está, concretamente, a mudar na Europa? É possível falar numa onda de criminalização do activismo climático?

Reino Unido

O Reino Unido é o país europeu que tem agido mais directamente contra os activistas (climáticos, mas não só): em Maio, foi aprovada uma nova lei sobre segurança pública que torna ilegal, especificamente, colar-se ou prender-se com correntes ou cadeados a objectos ou edifícios, prevendo penas de até seis meses de prisão. A interferência em estruturas como ferrovias, aeroportos ou refinarias pode levar a um ano de prisão.

Esta nova lei foi descrita como “profundamente perturbadora” pelo alto-comissário da ONU para Direitos Humanos, Volker Türk, ou mesmo "draconiana", por organizações como a Amnistia Internacional.

As penas aplicadas no Reino Unido aos activistas pelo clima têm sido heterogéneas. Os activistas do grupo Just Stop Oil que invadiram a pista durante o Grande Prémio da Grã-Bretanha de Fórmula 1 do ano passado, por exemplo, não foram condenados a penas de prisão. Já os dois homens que escalaram uma ponte sobre o rio Tamisa e colocaram uma enorme faixa, provocando o encerramento da ponte durante mais de 40 horas, foram condenados, cada um, a mais de dois anos e meio de prisão. Vários activistas britânicos foram presos por perturbarem o trânsito este ano (e não só); um manifestante foi condenado a três anos de prisão.

França

Em França, o governo não esconde a sua antipatia pelos movimentos: o Ministro do Interior, Gerald Darmanin, referiu-se várias vezes ao "eco-terrorismo" em relação às acções do Les Soulevements de La Terre (SLT), que em Junho deste ano acabaria por ver decretada a sua dissolução pelo Conselho de Ministros de França (decisão que permanece pendente nos tribunais). No país, alguns activistas do clima têm sido interrogados pelas unidades antiterrorismo, confirmou a polícia à agência Reuters.

Em Março, os membros do SLT juntaram-se a um grande protesto em Deux-Sevres, no sudoeste do país, onde os cerca de seis mil manifestantes foram confrontados com três mil agentes das forças anti-motim, que dispararam mais de cinco mil bombas de gás lacrimogéneo no espaço de duas horas. Cerca de 200 manifestantes ficaram feridos, dois entraram em coma e uma pessoa perdeu um olho. Por seu lado, 47 polícias ficaram feridos e quatro das suas viaturas foram incendiadas.

Ao abrigo de uma lei aprovada em 2021, o Ministério do Interior proibiu o SLT por alegada incitação à violência. Em Julho, os deputados franceses aprovaram novas leis de vigilância e detenção.

O resultado: "As pessoas que afirmaram fazer parte do SLT caíram ipso facto no radar dos serviços secretos", admitiu à Reuters Pascale Leglise, directora do Ministério do Interior francês para Liberdades Públicas e Assuntos Jurídicos, acrescentando que "é claro que nem todas as pessoas estão sujeitas a uma técnica de vigilância".

Alemanha

“O protesto legítimo termina sempre quando são cometidos crimes e violados os direitos dos outros”, defende a ministra do Interior alemã, Nancy Faeser, citada pela agência de notícias AP. Em 2022, de acordo com a governante, a polícia alemã registou 1600 queixas-crime relacionadas com os protestos contra o clima, muitas delas durante bloqueios de estradas realizados pelo movimento The Last Generation, um dos mais activos no país.

De acordo com a Reuters, numa investigação publicada em Agosto deste ano, o Ministério Público de Berlim informou que mais de 2200 investigações tinham sido abertas até 19 de Junho deste ano sobre activistas dos movimentos The Last Generation e Extinction Rebellion. Os dados, contudo, não especificam os tipos de infracções que estão a ser investigadas.

Os sinais mais alarmantes podem ser lidos na forma como estão a ser conduzidas as investigações contra o grupo The Last Generation: a investigação, que foi atribuída pelo Ministério Público a uma unidade do Estado que combate o terrorismo e o extremismo, confirmou um porta-voz do Ministério Público, tem autorizado escutas a activistas e, em Maio, motivou buscas às suas casas e até mesmo ordens de apreensão de duas contas bancárias e de outros bens, com o objectivo de obter provas sobre a estrutura do grupo e sobre o seu financiamento. Caso o grupo seja criminalizado, qualquer mero doador de crowdfunding passa a estar sob suspeita.

Nos últimos 18 meses, o Ministério do Interior da Baviera recorreu à prisão preventiva por um período superior a 24 horas pelo menos 80 vezes contra activistas do clima, ao abrigo de uma lei estatal que permite tais acções.

Países Baixos

Nos Países Baixos, em Agosto, sete activistas do movimento Extinction Rebellion foram condenados por “sedição” – crime que não existe em Portugal, que se refere à incitação de acções de rebelião –, devido ao apelo público que fizeram à adesão a um protesto na auto-estrada A12, que atravessa Haia.

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Activistas do grupo Extinction Rebellion nos Países Baixos são atingidos com canhões de água nas acções na autoestrada A12, que atravessa a cidade de Haia EPA/RAMON VAN FLYMEN

Este Verão, a polícia nos Países Baixos deteve quase três mil manifestantes climáticos num único fim-de-semana, depois de terem bloqueado a autoestrada A12. A polícia usou canhões de água contra os dez mil manifestantes que se juntaram ao protesto. O jornal The Guardian descreve que um episódio semelhante tinha ocorrido em Maio, quando 1500 pessoas foram detidas num único dia por bloquearem a mesma estrada.

Itália

Em Itália, as leis anti-máfia estão a ser usadas contra o grupo Ultima Generazione (sim, da mesma “família” dos The Last Generation alemães), que está a ser investigado pela unidade antiterrorismo.

Depois de uma série de acções em torno de ícones culturais do país, incluindo tingir de negro (com carvão) a água da Fonte de Trevi, em Roma, o Governo italiano adoptou em Julho uma lei que prevê multas até 40 mil euros a quem danificar monumentos ou obras de arte.

Três membros do grupo Ultima Generazione arriscam-se agora a ser condenados a três anos de prisão e a pagar multas por terem colado as mãos na base de uma escultura nos Museus do Vaticano e por terem ignorado as ordens dos guardas para abandonarem o local no ano passado.

Portugal

Em Portugal, actualmente, há dois grandes grupos a organizar protestos a exigir uma acção climática mais robusta do Governo: Greve Climática Estudantil (GCE), o colectivo que atirou tinta verde ao ministro do Ambiente e ao ministro das Finanças e tem organizado as ocupações de escolas e universidades; e Climáximo, que tem organizado acções como interromper o trânsito, tapar buracos num campo de golfe, bloquear a entrada das sedes de empresas ligadas à exploração de combustíveis fósseis ou, como aconteceu esta quarta-feira, colar-se ao painel de um avião que se preparava para fazer um voo entre Lisboa e Porto.

Muitos activistas têm sido detidos por crime de desobediência, noutros casos por crime de dano, mas até hoje nenhum foi condenado a pena de prisão efectiva. Esta sexta-feira, três activistas foram condenadas a um ano de prisão por atentado à segurança rodoviária numa acção do Climáximo, pena que foi substituída por uma multa de 600 euros. As arguidas eram também acusadas do crime de desobediência qualificada, mas o juiz entendeu, ao contrário de outros magistrados, que no quadro de uma manifestação este crime não se aplicava.

Contudo, os sinais de impaciência começam a revelar-se: a 8 de Outubro, um grupo de 12 pessoas do Climáximo foi identificado e detido pela PSP quando ainda se preparava para um protesto em Cascais. Segundo o oficial de serviço, os activistas tinham “tinham tarjas e tintas” e a PSP “interveio antes da prática de qualquer acto ilícito”, numa “perspectiva de prevenção”.

Mesmo tendo sido detidos sem terem cometido qualquer crime, os activistas foram conduzidos à esquadra, identificados, constituídos arguidos e libertados ao final da manhã. O Climáximo alega que os activistas estão a ser investigados pela prática de “desobediência qualificada” e denuncia que a acção da polícia foi “ilegal”.

Poucos dias depois, no dia 11, nove activistas do colectivo Greve Climática Estudantil foram revistados quando se preparavam para assistir à sessão plenária da Assembleia da República, em Lisboa, e impedidos de assistir ao plenário. Teresa Núncio, uma das jovens que estavam na AR nessa tarde, conta que foi levada para uma sala por uma agente e "obrigada a despir as calças para verem se tinha alguma coisa nas cuecas, tirar sapatos e meias e a tirar também a t-shirt para ver se tinha algo no soutien". A estudante afirmou que o propósito do grupo de nove jovens era um protesto, levantando as vozes na sessão para enunciar as suas reivindicações: "Não há paz até ao último Inverno de gás".

No relatório sobre clima e direitos humanos de Portugal, publicado em Março deste ano, o enviado especial das Nações Unidas David R. Boyd recomendava ao governo português que criasse uma lei de protecção dos activistas ambientais. O enviado especial da ONU para direitos humanos e clima relatava que “foram recebidas informações sobre assédio e acções judiciais estratégicas contra a participação pública dirigidas a activistas ambientais e defensores dos direitos humanos”.

“De acordo com os princípios sobre direitos humanos e ambiente, o Governo deve ter tolerância zero para este tipo de tácticas de intimidação, que se destinam a suprimir o direito à liberdade de expressão e à liberdade de associação”, concluía o enviado da ONU, especialista em direito e ambiente.

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