Marcelo sobre inflação: “O Governo está numa de afinar à medida que a situação vai evoluindo”

Em entrevista ao PÚBLICO e à RTP, Marcelo Rebelo de Sousa alerta para aproveitamentos de empresas para subirem ainda mais os preços

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“Devemos preparar-nos para os dois cenários”, alerta Marcelo sobre inflação

O Presidente da República gostava que a resposta do Governo perante a inflação fosse uma intervenção menos "pontual" e mais "duradoura".

Voltemos um pouco à situação social do país com o contínuo disparo da inflação, principalmente em produtos essenciais e que penalizam principalmente os portugueses com remunerações. Fala-se da necessidade de o Governo desenhar um novo pacote de ajudas. Acha que repetir um incentivo como o pagamento único faz sentido? Ou acha que este novo desenho de políticas sociais requer outro tipo de conceitos, mexendo, por exemplo, em políticas fiscais?
Em primeiro lugar, em relação à inflação há uma componente que é mais facilmente explicável, que é o efeito directo do aumento do custo da energia e as suas consequências na produção de bens mais variados na agricultura, na indústria, até nos serviços. Depois, há uma outra parte em que se fica com a sensação de que há um aproveitamento da conjuntura...

Refere-se aos bens alimentares?
... por quem diz que isto é uma oportunidade única, uma oportunidade não repetível. Começou, e bem, um processo mais sistemático de fiscalização. E é bom que se apure aquilo que é essa segunda componente da inflação difícil de explicar.

Há uma parte da inflação que pode ser tratada?
Havia uma parte da inflação que já vinha de trás, deu um galope com a guerra. Mas há uma parte que se tem a sensação que ultrapassa o que seria legitimamente o efeito directo ou indirecto da guerra. Agora, como encarar isso? Depende muito da evolução da economia e da evolução social.

Os próximos meses vão ser muito sintomáticos sobre isso. Será que, como se esperava até há muito pouco tempo, que é a perspectiva do copo meio cheio e a inflação vai diminuindo? Acabará por chegar a meados do ano e, sobretudo no Outono, a valores que não são os de antigamente, mas é metade do que aquilo que atingiu? Será que o crescimento vai além do que se pensava e que pode caminhar até perto de um ponto ou 2%? Sim ou não? Será que isso é acompanhado lá fora de uma alteração das condições económicas que atenua aquilo que socialmente se está a sentir hoje? Para muitos sectores da sociedade portuguesa, há quem diga que sim. Há uma perspectiva menos optimista que diz que não. Disto vai depender o tipo de intervenção em termos de ajudas sociais.

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Daniel Rocha

O Governo deve esperar para ver?
Isso tem que perguntar ao Governo. O Governo está numa de afinar à medida que a situação vai evoluindo, não quer criar o precedente de uma crise nas finanças públicas, não quer dar esse presente aos países europeus do costume para lhe caírem em cima. Por outro lado, não quer galopar na dívida pública. O mais fácil é recorrer a injecções como a injecção que do final do ano passado, que, no fundo, justificou aquele 0,5% de crescimento que inesperadamente tivemos no último trimestre, e que corresponde exactamente ao dinheiro injectado no final do ano passado.

A situação é tão pontual e não duradoura que intervenções desse tipo são precárias, são provisórias, são pontuais, são mais fáceis de montar no orçamento, mas são menos duradouras, são suficientes ou não? Eu não tenho resposta porque eu sou mais pessimista do que a perspectiva do copo meio cheio. Acho que ele está meio vazio e, portanto, estou de pé atrás. Acho que se deve preparar dois cenários: um para o copo meio cheio e outro para um copo meio vazio. Se for meio vazio, então, naturalmente, aquilo que se tem de fazer de intervenção social tem que ser mais.

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