Marcelo: “Tem de haver acordo para recuperação faseada do tempo de serviço dos professores”

Marcelo não vê ainda no ar um clima de contestação social generalizado, mas preocupa-o a ausência de um acordo, mesmo que parcelar, para resolver o conflito com os professores.

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Marcelo sobre professores: novas formas de luta “têm de ser previstas na lei”

O extremar de posições no conflito entre o Governo e os docentes não interessa ao Governo, nem aos docentes. O Presidente abre o jogo para a negociação propondo “questões fundamentais”, como a necessidade de os professores recuperarem tempo de serviço perdido. Não na íntegra, mas, como já aconteceu, de forma parcial e faseada.

Cerca de 8000 diligências judiciais paradas, um ano lectivo na escola pública praticamente comprometido, sectores importantíssimos do sistema de transportes paralisados. Até que ponto o país se encontra bloqueado?
Há um clima de contestação social generalizado, sim ou não? Ainda não há. Pode vir a haver, ainda não há. Porque o desemprego tem sido uma componente que até agora tem tido uma evolução contida e, por isso, favorável.

Há agora uma subida de 0,2% e a dúvida é: isto foi conjuntural ou é um sinal de uma tendência para o futuro? Conforme seja uma coisa ou outra, aí os efeitos sociais são diferentes. No plano do sistema judicial, há, de facto, uma contestação dos oficiais de justiça em relação ao seu estatuto. Há a luta dos professores, outra luta justa, porque é acumulada ao longo de muitos governos e de muitos anos.

Incluindo a parte do descongelamento do tempo de serviço? Acha justa também essa reivindicação?
Isso é uma parte fundamental da luta. Isto é, acho que o caminho é negociar. O Governo faz mal se romper. Os sindicatos e os professores não o esquecerão. Os sindicatos fazem mal se romperem as negociações ou se esticarem para além de um determinado limite aquilo que é a sua luta. Fala-se, por exemplo, da ideia de levar [a greve] até às avaliações e incluir as avaliações e, portanto, apanhar o todo o ano lectivo [a entrevista foi realizada antes do anúncio da Fenprof de novas greves].

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E fazem mal porquê? Porque é muito importante a sintonia com a opinião pública que tem existido desde o começo. Houve dois anos lectivos muito perturbados pela pandemia. Se houver um terceiro, o problema é outro. Já não é um problema de perda do ano lectivo, é o da discriminação entre alunos, e não é entre público e privado, é dentro do público. À medida que a luta evolui, os professores, apesar de manterem uma unidade fundamental, em muitos casos não têm obstaculizado o funcionamento das escolas.

Eu corro o país. Sei que há uma parte das escolas que, de facto, têm paralisações e, portanto, os alunos que vão ter ou um aproveitamento e avaliações têm um tratamento diferenciado, discriminatório, favorecido em relação aos outros. Tem de haver um acordo, e o acordo tem de incluir, além dos pontos sectoriais em que já houve acordos parcelares ou aproximações de pontos de vista, duas questões fundamentais: uma é a recuperação do tempo de serviço…

Recuperação integral?
A recuperação integral financeiramente, penso que não seja possível neste momento — mas já houve alguma recuperação noutros tempos de dois anos e tal. Porque não fasear a recuperação...

E estender isso a todas as instituições da função pública?
Mas mais, é preciso corrigir as desigualdades entre professores, porque, por exemplo, a diferença entre os professores mais novos e os mais antigos que estão mais perto do limite da idade da reforma é que, nestes, 70% ainda vão conseguir chegar ao topo. Os professores mais novos não vão. É preciso completar uma coisa com a outra. Acho que há caminho para fazer e deve haver da parte do Governo, como da parte dos professores, essa predisposição para pensar nos alunos, nas famílias, na sociedade. Três anos lectivos seguidos ultrapassam mesmo aquele embate da Revolução de Abril com dois anos lectivos.

Temos assistido a um novo tipo de greves, a greves à la carte ou greves intermitentes. Concorda que alguém que faz greve não faça o sacrifício correspondente que a greve implica, isto é, o desconto na sua retribuição?
Há aspectos em que as lutas sociais e a organização sindical mudaram muito. A greve dos professores tem mostrado isso.

Essas formas de luta, em muitos casos, não estão disciplinadas expressamente na lei, que prevê as antigas formas de luta.

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É uma questão de disciplina ou de legalidade?
Disciplinados nesse sentido: não têm o enquadramento legal porque a lei prevê certo tipo de formas de luta específicas, que eram as clássicas. A greve era declarada, obedece a determinado tipo de princípios, não há, de repente, uma mudança a meio do percurso, há um ajustamento. E depois também o problema da remuneração quanto a uma realidade que, no fundo, é apresentada não como sendo um dia de greve, mas uma hora de greve.

Isso é tolerável?
Tem de ser previsto na lei, para tornar previsível a vida das pessoas. É evidente que é um direito legítimo dos trabalhadores, agora a sociedade, os pais, os demais membros da comunidade educativa, a realidade local têm de saber as linhas com que se cosem. Se a disciplina não é clara sobre essa matéria, e a clarificação por parecer do conselho consultivo da PGR não é suficiente e não é acatado, tem de se definir de forma legal e atempadamente para que a sociedade saiba com o que pode contar.

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