As alterações climáticas estão a levar-nos para “territórios desconhecidos de destruição”, diz Guterres

Relatório conjunto de várias agências da ONU mostra como o mundo está atrasado nas acções necessárias para evitar um aquecimento global perigoso, com os compromissos de limitar as emissões de CO2 a ficarem aquém do que seria preciso.

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Cheias no Paquistão: uma linha férrea completamente inundada REHAN KHAN/EPA

Os impactos das alterações climáticas estão a levar-nos para “territórios desconhecidos de destruição”, afirmou esta terça-feira o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, no lançamento de um relatório que juntou o conhecimento mais recente sobre esta matéria produzido por várias agências da ONU e outras entidades. Nos próximos cinco anos, poderá haver um ano em que o aquecimento global será 1,5 graus acima dos valores pré-Revolução Industrial, alerta.

O relatório Unidos na Ciência 2022, cuja elaboração foi coordenada pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), avisa que o mundo está “a caminhar na direcção errada” relativamente às alterações climáticas. Há vários indicadores alarmantes que nos chegam de diferentes fontes e demasiadas mudanças e catástrofes à nossa volta que são impossíveis de ignorar.

É, por exemplo, o Met Office britânico, em colaboração com o Programa Mundial de Investigação sobre o Clima, que antecipa que há 48% de hipóteses de que, num ano nos próximos cinco, a temperatura média anual seja 1,5 graus mais alta do que em 1850-1900. E há 93% de possibilidades de que pelo menos um ano neste mesmo período venha a ser o mais quente de sempre, diz o relatório.

Por outro lado, constata-se que as concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera continuam a aumentar e os líderes mundiais não chegam a acordo para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus acima das temperaturas pré-industriais. Desta forma, diz o relatório Unidos na Ciência, os sistemas da Terra estão a chegar perto de pontos de não-retorno, momentos de mudança provocada pelas alterações climáticas que se tornam incontroláveis.

Os fenómenos meteorológicos extremos já se estão a tornar mais frequentes e mais intensos.

Ondas de calor na Europa. Inundações colossais no Paquistão... Não há nada de natural na nova escala destes desastres”, disse António Guterres, numa mensagem gravada em vídeo. Apelo aos líderes mundiais: temos de nos unir em torno da ciência e transformar promessas em acção - já, diz o secretário-geral das Nações Unidas.

Apesar de ter havido uma diminuição nas emissões de gases com efeito de estufa durante os confinamentos por causa da pandemia de covid-19, elas já voltaram a subir para níveis pré-pandémicos. As emissões totais de dióxido de carbono (CO2) de origem humana em 2020 foram de 38 gigatoneladas. Em 2021, foram de 39,3 gigatoneladas.

Emissões de CO2 a subir

Dados de Janeiro a Maio de 2022 mostram que as emissões globais de dióxido de carbono foram 1,2% mais elevadas do que durante o mesmo período em 2019, diz o relatório Unidos na Ciência.

O Programa de Ambiente das Nações Unidas concluiu que mesmo que fossem plenamente postos em prática os compromissos de mitigação das alterações climáticas até 2030 apresentados por vários países, isso seria insuficiente para evitar a actual escalada das temperaturas e manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus Celsius.

No relatório Emissions Gap Report 2021, citado no documento divulgado agora, é dito que a ambição destas contribuições nacionais (NDC, Nationally Determined Contributions) teria de ser quatro vezes maior para evitar que as temperaturas globais subissem até dois graus e sete vezes mais ambiciosas para limitar o aquecimento até 1,5 graus. “É preciso aumentar as acções de mitigação para evitar que os objectivos do Acordo de Paris fiquem fora do nosso alcance”, diz o relatório Unidos na Ciência.

Nenhum país dos G20, diz o relatório, têm contribuições nacionais que os coloquem numa via acelerada para alcançar a neutralidade carbónica – uma meta que a generalidade dos países estipulou alcançar em 2050.

Os últimos sete anos foram os mais quentes de que há registo. A temperatura média global já está 1,1 graus Celsius acima da média dos tempos pré-industriais.

Os cientistas calculam que até 2026 a temperatura média anual possa ser entre 1,1 e 1,7 graus mais alta do que os valores de referência. E podemos passar o limite dos 1,5 graus dentro dos próximos cinco anos.

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Fontes onde parisienses e turistas se refrescavam em Paris, ao pé da Pirâmide do Louvre, na onda de calor de Julho CHRISTOPHE PETIT TESSON/EPA

No fim deste século, se não houver uma forte acção climática, estima-se que o aquecimento global chegue a 2,8 graus Celsius.

Pontos de não-retorno

Mas mesmo com o nível actual de aquecimento é possível ultrapassarmos vários pontos de não-retorno climáticos.

Por exemplo, a corrente oceânica que leva o calor dos trópicos para o hemisfério Norte, a circulação termoalina meridional do Atlântico, já não era tão fraca há mais de mil anos e há modelos que prevêem que continuará a enfraquecer à medida que aumentarem as emissões de CO2. Teme-se que isto ponha em causa os padrões meteorológicos globais, diz o relatório.

“Os efeitos combinados das temperaturas mais altas e da humidade em algumas regiões podem ter consequências perigosas para a saúde humana nas próximas décadas. Isto pode levar a pontos de não-retorno fisiológicos, a partir dos quais deixa de ser possível aos seres humanos trabalhar ao ar livre sem ajuda da tecnologia”, salientou, no prefácio do relatório, o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas.

Considera-se que cerca de metade da população mundial é altamente vulnerável aos impactos das alterações climáticas – inundações, ondas de calor, secas, incêndios florestais e tempestades. Por altura dos anos 2050, prevê-se que 1600 milhões de habitantes das cidades vivam regularmente durante três meses do ano com temperaturas de pelo menos 35 graus.

As cidades – onde vive 55% da população mundial, ou 4200 milhões de pessoas – são responsáveis por 70% das emissões de CO2 causadas pelo homem, e ao mesmo tempo são altamente vulneráveis aos impactos das alterações climáticas, salienta ainda o relatório. Quem lá vive tem de suportar temperaturas médias anuais mais elevadas, e está mais exposto a ondas de calor prolongadas, episódios de forte precipitação e à subida acelerada do nível do mar.

“As cidades têm um papel importante na acção climática, pondo em prática políticas de mitigação urgentes, inclusivas e alargadas que aumentem a capacidade de adaptação de milhões de habitantes urbanos”, salienta o documento.

A OMM promete no relatório usar as suas previsões climáticas para criar no prazo nos cinco anos um sistema de alerta precoce para mitigar os impactos climáticos.

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