Que direitos têm os trabalhadores quando o calor aperta?

Em Portugal, não há legislação que interrompa o trabalho quando se atingem certas temperaturas. Mas as entidades empregadoras têm o dever de zelar pela saúde e segurança dos seus trabalhadores.

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Os profissionais sujeitos a um maior esforço físico têm direito a condições especiais? daniel rocha

No Reino Unido, 39 membros do Governo assinaram recentemente uma proposta de lei que, se for aprovada, proibirá o trabalho em temperaturas superiores a 30 graus – ou a 27 graus no caso de trabalhos mais pesados. No Médio Oriente, os trabalhadores da construção civil ficam dispensados durante as horas de maior calor nos meses de Julho e Agosto. Na China também há, desde 2007, medidas que obrigam os empregadores a reduzir a carga horária, ficando os trabalhos no exterior suspensos a partir dos 40 graus.

Em Portugal, assim como nos restantes países europeus, nos EUA ou na Austrália, não há legislação específica relativa ao calor ou que impeça mesmo o trabalho a partir de certas temperaturas (tanto elevadas como baixas), dizem especialistas em direito do trabalho ouvidos pelo PÚBLICO. O que existe é um enquadramento normativo que obriga os empregadores a zelar pela saúde e segurança dos seus trabalhadores. Certos governos estipulam ainda limites para a temperatura do ambiente de trabalho.

Segundo os especialistas, em Portugal a situação deve ser encarada “caso a caso”, dada a diversidade de profissões. Mas a Constituição e o Código do Trabalho deixam claro que os trabalhadores “têm direito à protecção da saúde”.

Há alguma legislação em Portugal que impeça o trabalho a partir de certas temperaturas?

De momento, não consta da lei portuguesa nenhuma “situação concreta” associada a condições climáticas extremas em que uma pessoa fique impedida de trabalhar. Certo é que todos os trabalhadores têm direito “à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde”, explica, por escrito, Fausto Leite, especialista em Direito do Trabalho, citando a Constituição. Ou seja, teoricamente, o trabalhador “não é obrigado a suportar tudo”: “É uma pessoa e tem o direito à saúde.”

Nesse sentido, o empregador fica obrigado a “prevenir riscos e doenças profissionais” através de medidas como o ajuste às circunstâncias atmosféricas. E o cumprimento desta e outras normas deve ser fiscalizado por entidades externas ligadas à segurança, higiene e saúde no local de trabalho.

A legislação portuguesa considera ainda que “a temperatura dos locais de trabalho [em espaços fechados] deve, na medida do possível, oscilar entre 18 graus e 22 graus Celsius, salvo em determinadas condições climatéricas, em que poderá atingir os 25 graus” (Decreto-Lei n.o 243/86).

Que direitos pode o trabalhador reivindicar em situações de calor extremo?

Há certas condições essenciais que um trabalhador tem direito a exigir à entidade empregadora, nomeadamente uma climatização e arejamento adequados, o acesso a água e mais pausas ou mesmo uma alteração do horário se a sua saúde estiver em risco. “O direito à vida e à integridade física são invioláveis”, recorda Fausto Leite, citando os artigos 24º e 25º da Constituição.

Os profissionais sujeitos a um maior esforço físico têm direito a condições especiais?

A diversidade de profissões leva a que a questão tenha de ser analisada “caso a caso”. Isto porque há trabalhadores que acabam por “estar mais desprotegidos” do que outros, como é o caso dos que trabalham na agricultura, na construção civil ou no combate a fogos, diz Sónia Ribeiro, da sociedade Belzuz Advogados.

“'Todos têm direito à protecção da saúde’, nomeadamente, através da ‘criação de condições (…) ambientais’”, escreve Fausto Leite, que cita o artigo 64º da Constituição. Assim, nos casos das profissões ao ar livre, “o que deve ser feito é pedir um ajustamento [aos empregadores] quanto à realização de certos trabalhos a uma determinada hora”, acrescenta Sónia Ribeiro. Por exemplo: nas horas de maior calor, a um operário da construção civil envolvido na construção de um prédio deverá ser pedido um trabalho no interior e não na fachada.

A quem é que o trabalhador se deve dirigir se a sua saúde estiver em risco?

Todas estas condições de conforto térmico devem derivar, no fundo, do “bom senso” dos empregadores, realça a advogada, devendo estes conjugar sempre a saúde e a produtividade dos seus trabalhadores.

Mas, caso o trabalhador sinta necessidade de reclamar melhores condições, deve manifestar, desde logo, o seu descontentamento junto do próprio empregador e solicitar melhorias. Se não obtiver uma resposta satisfatória, pode sempre recorrer à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), alegando que as condições vigentes põem em causa a sua saúde. A ACT não respondeu ao pedido de esclarecimento enviado pelo PÚBLICO.

Se tiver sintomas de alguma doença provocada ou agravada pelo calor, poderá optar pela baixa, mediante apresentação de um atestado médico.​

Está ou poderá vir a ser discutida legislação que impeça o trabalho sob temperaturas extremas?

Actualmente não está a ser discutida nenhuma alteração legislativa e não é provável que o venha a ser num futuro próximo, considera Sónia Ribeiro. Isto porque, continua, não surpreende que haja temperaturas elevadas em Portugal, sobretudo em Julho e Agosto, meses em que é comum os termómetros indicarem temperaturas superiores a 30 graus.

No entanto, a advogada não deixa de apontar que, se este calor “exagerado e anormal” que vigora agora no país se tornar recorrente ao longo dos anos, poderá vir a ser necessário apertar as medidas de protecção.

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