A Terra está muito perto de ultrapassar vários pontos de não-retorno climáticos

Mesmo a meta do Acordo de Paris de manter o aquecimento abaixo de dois graus não basta para evitar efeitos perigosos das alterações climáticas. O que só torna mais urgente a limitação das emissões de gases com efeito de estufa.

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Icebergue flutua num fiorde perto da cidade de Tasiilaq, na Gronelândia Lucas Jackson/REUTERS

Se a temperatura global do planeta aumentar mais de 1,5 graus Celsius em relação aos valores pré-industriais, podem ser desencadeados vários pontos de não-retorno das alterações climáticas. Na verdade, com o que a temperatura já subiu até agora, a Terra pode já ter ultrapassado os limites seguros e corremos o risco de passar cinco dos 16 possíveis pontos de viragem identificados por um novo estudo publicado na revista Science.

O desaparecimento dos gelos da Gronelândia e do Ocidente da Antárctida, o súbito derretimento dos solos permanentemente gelados (permafrost) ou o colapso do giro do Atlântico Norte, um dos maiores sistemas de correntes oceânicas, são exemplos dos pontos de viragem climática, que são já possíveis com o nível que aquecimento que estamos já a sentir, diz o artigo na Science. E os riscos elevam-se com cada décimo de grau de aumento da temperatura.

“O mundo já corre o risco de ultrapassar alguns pontos de não-retorno. Já vemos sinais de desestabilização em partes das camadas de gelo da Antárctida Ocidental e da Gronelândia, em regiões de permafrost, na floresta amazónica, e potencialmente de modificação da circulação das correntes do Atlântico. E à medida que as temperaturas vão subindo, é possível chegar a mais pontos de viragem”, disse David Armstrong McKay, o principal autor do artigo, citado num comunicado de imprensa da Universidade de Estocolmo.

McKay faz parte do Centro de Resiliência de Estocolmo (Suécia), da Universidade de Exeter (Reino Unido) e, tal como outros autores do estudo, também da Comissão da Terra – um grupo internacional de cientistas apoiado por organizações como a União para a Conservação da Natureza, com o objectivo de produzir investigação complementar à do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) ou a Plataforma Intergovernamental de Política de Ciência sobre Biodiversidade e Serviços do Ecossistema (IPBES), para determinar os limites dos sistemas de apoio à vida da Terra.

O estudo sintetizou os resultados de outros 200 trabalhados publicados desde 2008, quando se definiu de forma rigorosa o que poderiam ser estes pontos de não-retorno – momentos a partir dos quais as alterações se auto-sustentam, desencadeando um processo imparável. Isto quer dizer, por exemplo, que mesmo que a temperatura deixasse de aumentar, depois de uma camada de gelo, uma corrente oceânica ou uma floresta terem passado este ponto de viragem, continuariam a mudar até chegar a um novo estado. Até agora, existia uma lista de nove destes pontos de não-retorno. Em resultado desta análise, a lista foi alargada para 16.

Continuar a reduzir emissões

Além disso, os cientistas concluíram que a Terra pode ter deixado de estar “segura”, em termos climáticos, quando a temperatura média do planeta aumentou um grau.

Mesmo a meta do Acordo de Paris de manter o aquecimento abaixo de dois graus, e preferencialmente abaixo de 1,5 não é suficiente para evitar efeitos perigosos das alterações climáticas. O risco de se desencadearem pontos de viragem acontece precisamente nessa margem, entre 1,5 e dois graus de aquecimento, e aumenta a partir dos dois graus Celsius, dizem os cientistas.

O que não quer dizer que não valha a pena continuar o esforço para limitar as emissões de dióxido de carbono que provocam o efeito de estufa, para tentar limitar o aquecimento global. “Para manter as condições de habitabilidade da Terra, proteger as pessoas dos extremos climáticos e permitir a existência de sociedades estáveis, devemos fazer tudo o que for possível para evitar que se ultrapassem estes pontos de viragem. Cada décimo de grau conta”, afirmou outro dos autores do estudo, Johan Rockström, co-secretário da Comissão da Terra e director do Instituto de Potsdam para a Investigação dos Impactos Climáticos (Alemanha), citado no comunicado de imprensa da Universidade de Estocolmo.

“O mundo está a encaminhar-se para um aquecimento global de dois a três graus Celsius. Isto põe a Terra num rota para atravessar vários pontos de viragem perigosos, que serão desastrosos para muitas pessoas”, acrescentou Johan Rockström.

“O nosso novo trabalho apresenta provas robustas de que o mundo deve acelerar radicalmente a descarbonização da economia, para limitar os riscos de ultrapassar os pontos de não-retorno”, acrescentou outros dos autores, Tim Lenton, da Universidade de Exeter e membro da Comissão da Terra.

O equilíbrio do sistema é muito delicado e os vários pontos de viragem estão ligados entre si, o que faz temer um efeito de dominó. “É importante sublinhar que muitos elementos de não-retorno no sistema da Terra estão interligados, o que cria a preocupação adicional de que se crie um efeito de cascata. Pode haver interacções que fazem com que mesmo a níveis de aquecimento mais baixo, se comecem a desestabilizar outros pontos de viragem”, avisou outra autora do artigo, Ricarda Winkelmann, do Instituto de Potsdam para a Investigação dos Impactos Climáticos e da Comissão da Terra.

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