“É agora ou nunca” – Evitar o colapso climático requer ação imediata

Uma reflexão a partir do novo relatório do IPCC sobre mitigação das alterações climáticas (grupo de trabalho III) publicado a 4 de abril de 2022.

Hoje, o mundo enfrenta muitas crises. Estamos ainda em pandemia e estamos a assistir a uma guerra que põe em causa a paz na Europa e no mundo. A verdadeira dimensão das crises económicas associadas a estes acontecimentos é ainda incerta. No entanto, mesmo perante estes perigos, nenhuma destas crises representa um risco existencial certo como aquele a que nos estamos a expor: o colapso climático.

Nós, humanos, somos normalmente otimistas, focados no presente ou no futuro a curto prazo. Para qualquer necessidade há uma solução, e se não a encontramos, inventamo-la. Melhorámos a nossa saúde e qualidade de vida e desenvolvemos sociedades de bem-estar e infraestruturas globais. Mas este otimismo pode ser perigoso e levar-nos a “não olhar para cima” para consequências da crise climática. Na verdade, algumas já são bem visíveis. Mesmo com grande otimismo, o Relatório do IPPC sobre impactos, adaptação e vulnerabilidade das alterações climáticas (Working Group II) publicado em fevereiro de 2022, é dramático. As alterações climáticas são, neste momento, uma séria ameaça existencial para a humanidade.

O novo programa do IPCC do grupo de trabalho III aponta o que é necessário para evitar o pior cenário. Um aumento de 1,5°C foi identificado como o ponto de viragem para o colapso climático, a partir do qual os efeitos catastróficos aumentarão dramaticamente. Para além desse ponto, as reduções de emissões terão um efeito mínimo na cascata da degradação climática iniciada. Hoje chegámos aos 1,2 graus e o relatório do IPCC mostra que não estamos num bom caminho. “É agora ou nunca se queremos limitar o aquecimento global a 1,5ºC [e] sem reduções imediatas e profundas de emissões em todos os setores será impossível”, diz o copresidente do Grupo de Trabalho do IPCC, Jim Skea. Segundo as atuais projeções de emissões, podemos esperar atingir o ponto crítico de não retorno em uma ou duas décadas. É preciso tomar medidas imediatas que limitem o aquecimento global a 1,5°C para evitar secas, inundações e conflitos devido à escassez de água.

O aquecimento global está a decorrer como previsto há décadas, mas só agora começamos a compreender os impactos. A ausência de chuva no Sul da Europa e Sul Global levará a secas extremas prolongadas. As consequências são perdas de culturas agrícolas generalizadas, incêndios florestais frequentes, perda de solos agrícolas e migrações em massa. A escassez de água e a perda de solos prejudicarão a resiliência alimentar e hídrica, também em Portugal. O abastecimento de água e de alimentos será atingido globalmente, aumentando a sede, a fome. A subida do nível do mar ocorre a um ritmo mais elevado do que o esperado, e as alterações climáticas estão a permitir que doenças tropicais invadam o sul da Europa. As condições meteorológicas extremas, as ondas de calor e as catástrofes naturais tornaram-se já mais frequentes, destruindo habitats e infraestruturas. O custo social global das alterações climáticas deverá ser seis vezes superior ao previsto anteriormente. Estes custos serão muito mais elevados no Sul da Europa.

O relatório do IPPC sublinha que a mitigação das alterações climáticas é, ainda assim, possível com uma redução imediata das emissões em todos os sectores. A transição rápida para um sector energético limpo é crucial e exige a transição total para fontes de energia de baixas emissões, incluindo renováveis, biocombustíveis sustentáveis e hidrogénio, e uma melhoria da eficiência energética e conservação de energia.

Avançar para emissões zero na indústria é possível com a eletrificação das etapas de produção, design inteligente, eficiência de recursos, promoção da circularidade de materiais e eficiência energética.

Nas zonas urbanas existe grande potencial para reduzir as emissões através de transportes não motorizados públicos, eletrificação dos transportes e aumento da captura de carbono no ambiente urbano, através de materiais de construção bio-baseados, de telhados verdes, espaços verdes, rios e lagos. Estas medidas de mitigação do clima têm efeitos colaterais positivos diretos na saúde e bem-estar.

O consumo de alimentos de origem local e de base vegetal diminuem a pegada ambiental de água e carbono associada ao transporte e diminuem pressão para utilização de território (por exemplo florestal) para produção agropecuária, especialmente em áreas de fraca governação, protegendo ecossistemas fundamentais para o sequestro de carbono e redução das emissões de gases de efeito de estufa.

A vida humana depende diretamente dos ecosistemas naturais que a rodeiam. Precisamos de manter saudáveis as florestas, zonas húmidas/wetlands (que armazenam 35% do carbono terrestre do globo) e oceanos (que captam até 40% das emissões de carbono) e funcionam como reguladores do ciclo do carbono. Precisamos de vegetação para estabilizar o nível das águas subterrâneas e manter os ciclos de água durante secas e para evitar a desertificação irreversível dos solos nesses períodos. Para permitir que o nosso clima recupere, precisamos de conservar 30 a 50% das áreas de terra, água doce e oceânica do mundo. A proteção do clima é impossível sem a preservação da natureza.

Perante estes cenários sombrios, e sabendo que podemos mudar o rumo das coisas, só podemos aumentar a nossa motivação. Temos de criar uma mobilização coletiva global renovada, a começar no coração de cada um, utilizando o potencial das redes de informação e advocacia bottom up e top down pela sociedade civil, pop-culture e governos e tomar medidas objectivas. Precisamos comunicar de forma muito mais clara e efectiva os cenários e impactos, priorizar ações e políticas dirigidas à forma como produzimos e consumimos, à mobilidade sem combustíveis fosseis, teletrabalho, produção de energia verde e consumo eficiente, gestão inteligente da água, consumo alimentar sustentável, alimentação baseada em plantas e conservação da natureza. As universidades e a ciência têm um papel fundamental na geração de evidência para a qualidade destas ações.

Mudar os nossos estilos de vida e comportamentos do dia-a-dia pode reduzir as emissões de gases com efeito de estufa de 40 a 70% até 2050 e evitar o colapso climático e o ponto de não retorno. Podemos repensar os nossos valores e prioridades e talvez as nossas formas, tantas vezes ineficazes de procurar felicidade. Continuamos a acreditar no conto de fadas da produção e consumo infinito, ou protegemos o nosso futuro e aquilo que é importante? Este tempo de crise exige que afirmemos e evoluamos como sociedade global. Sabemos que temos de agir, sabemos o que fazer, está do nosso lado, cada um tem um papel. É agora ou nunca.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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