Por favor, digam aos vossos filhos que as bofetadas não são sinal de amor

Muitas vezes ouço em consulta a vontade expressa pelos pais de que os seus filhos saibam defender-se, aliada à frase: “Ele levou, tem de dar também!”

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@petercalheiros

A noite dos Óscares foi marcada pela bofetada do actor Will Smith ao Chris Rock, seguida de insultos num tom de voz ameaçador, que surgiu na sequência de uma piada sobre a falta de cabelo de Jada Pinkett Smith. A resposta do marido da actriz, presenciada por uma plateia cheia, foi violenta e absurda, mas de forma surpreendente não recebeu nenhuma crítica ou censura no momento. Ademais, ao fim de uma hora, o actor foi aplaudido quando recebeu o prémio e fez um discurso banhado em lágrimas, enquanto tentava justificar o uso da violência em nome do amor. Ficamos confusos: ofensor ou ofendido?

Situações como esta, envolvendo um actor conhecido, reverenciado pelo público mais jovem, e sobre um tema tão importante para a formação das pessoas, deveriam servir de reflexão junto das crianças e adolescentes. Preocupa-me que estas possam considerar que agir com agressividade quando se é ou se sente ofendido é legítimo, dado ser, alegadamente, em sua defesa ou de outra pessoa, seja homem ou mulher, rapaz ou rapariga. Se Will Smith deveria ter defendido a sua mulher, sim, mas parece-me fundamental repudiar a violência e a justificação do seu uso em qualquer caso. Por outro lado, a reflexão em torno das piadas com problemas de saúde deve ser tema de conversa séria em casa e na escola, ensinando a respeitar as vulnerabilidades dos outros.

Muitas vezes ouço em consulta a vontade expressa pelos pais de que os seus filhos saibam defender-se, aliada à frase: “Ele levou, tem de dar também!”. Certo é que agressão gera agressão e dizer a uma criança que bata num colega que a agrediu ou ofendeu não só contraria todas as regras da vida em sociedade como também gera uma falsa resolução da situação, uma vez que incita a comportamentos agressivos, ensina a resolver problemas e conflitos entre pares de forma violenta e favorece a impulsividade. Num momento a criança é a vítima, noutro é o agressor e este ciclo pode perpetuar-se. Como consequência, a criança vê dificultada as suas relações com os colegas e facilmente torna-se agressiva.

Importa clarificar que não significa que a criança deva ser encorajada a ficar indiferente ou a aceitar uma chapada, empurrão ou ofensa, pelo contrário, deve ser ensinada que há formas de agir e de expressar o seu desagrado que não simplesmente revidar a agressão — as palavras e as atitudes positivas têm mais poder.

Alguns aspectos devem ser considerados pelas pessoas e instituições que fazem parte do dia-a-dia das crianças, incluindo a escola, os pais, os professores e outros agentes educativos. Pais e escola devem caminhar juntos e com propósitos de regular-se pela boa educação e respeito pelo outro. Se os pais ou professores falam ou agem de forma agressiva, como poderão exigir que as crianças não o sejam?

Antes de mais, devemos estar cientes que a educação para a vida em sociedade e em família deve começar desde pequeno e nós, enquanto adultos, devemos servir de modelo para as crianças e ensinar-lhes comportamentos sociais adequados, bem como a comunicar de forma assertiva para defender e proteger os seus direitos; a resolver problemas considerando as várias soluções possíveis sem prejuízo próprio e do outro, e a recorrer à auto-regulação e à comunicação emocional de modo a reconhecer e gerir os seus sentimentos conseguindo responder às situações sem recorrer à violência.

O que fazer?

Ensine competências sociais e de amizade (como a partilha, a negociação, o esperar pela vez, a cooperação, pedir desculpa, etc.). Estas são modeladas pelas pessoas que convivem com a criança e requerem repetição de modo a que ela as interiorize. Nomeie e elogie a criança sempre que ela usar estas competências.

Modele uma abordagem não violenta aos problemas e à frustração. Tente resolver um problema em voz alta de modo que a criança perceba os seus passos.

Peça a cooperação da criança em momentos de família, como às refeições, na ida ao supermercado, etc.. Atribua uma tarefa a cada criança e mostre-se satisfeito pela sua colaboração.

Não ensine a criança a bater em almofadas quando se sente frustrada ou com raiva, isto não resolve a situação e incita a agressividade.

Não permita que os irmãos se envolvam em brigas violentas, separe-os e use uma forma imparcial de resolução do problema.

Depois de passada a tempestade, reflicta com a criança sobre a situação de conflito. Fale sobre os seus sentimentos e da outra pessoa e seja específico sobre como a criança poderia ter agido ou o que poderia ter dito, baseada em atitudes não violentas.

Valide os sentimentos da criança quando é agredida e dê sugestões sobre formas mais amigáveis de resolver as situações.

Ensine a criança a sentir as emoções como uma visita que traz uma mensagem. Temos de saber ouvi-las e senti-las para poder regulá-las.

Dê mais atenção às emoções positivas e aos comportamentos positivos da criança e mostre-se confiante nas suas capacidades de resolver as situações.

Fortaleça o vínculo com a criança através de actividades que promovam a proximidade e dêem prazer. Uma criança que se sente amada e reconhecida é mais adaptada social e emocionalmente.

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