Todos os partidos de acordo no aumento do tempo de luto parental para 20 dias, mas não se entendem sobre quem paga

Aprovados na generalidade nove projectos de lei que acabarão fundidos num texto conjunto que será trabalhado ainda nesta quinta-feira na comissão de Trabalho.

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Partidos tentam ainda esta quinta-feira, na Comissão de Trabalho e Segurança Social, consensualizar um texto comum Miguel Manso

Foi um debate sereno e reflexivo como o tema merecia, com os partidos a defenderem que, embora o luto parental dure “o resto da vida”, o Código do Trabalho deve, pelo menos, aumentar dos actuais cinco para 20 dias o período de faltas justificadas para os trabalhadores que percam um filho. E boa parte dos partidos admite também que as mulheres grávidas que percam o bebé possam passar a ter alguns dias de falta justificada ao trabalho – hoje não têm direito a qualquer tempo.

O debate foi marcado pelo PS para dar corpo ao pedido da petição “O luto de uma vida em cinco dias” da Acreditar - Associação de Pais e Amigos as Crianças com Cancro, que reuniu 82 mil assinaturas para que fosse aumentado para 20 dias o período de luto concedido aos trabalhadores que percam um filho porque, alegam, os cinco dias previstos hoje na lei são “manifestamente insuficientes”. Todos os partidos consideraram a medida absolutamente justa.

Esse consenso ficou provado nas votações: acabaram aprovados todos os nove projectos de lei apresentados e discutidos – do PS, PSD, BE, PCP, PAN, IL, Chega e das deputadas não-inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues. Não houve qualquer voto contra.

O PS e o PSD abstiveram-se nos diplomas de todos os outros partidos e deputados e só votaram a favor das suas próprias propostas. O CDS, que não apresentou qualquer proposta, votou a favor da do PSD e absteve-se em todas as outras. O BE, o PAN, a IL, o Chega e as duas deputadas deram o seu voto a favor de todas as propostas.

Os partidos vão reunir-se na Comissão de Trabalho e Segurança Social para consensualizarem uma versão conjunta que possa ser votada nesta sexta-feira em votação final global.

No debate, em que os partidos nem usaram todo o tempo de que dispunham para intervir, discutiu-se não só o luto de quem perde um filho em vida, mas também a perda gestacional das grávidas que não têm direito a licença por luto. A deputada Cristina Rodrigues propunha três dias para progenitores, gestante e beneficiários em caso de gestação de substituição; o PAN 20 para ambos os progenitores; o BE e a deputada Joacine Katar Moreira queriam oito durante o primeiro trimestre e 20 depois disso (mas a segunda aplicando a medida aos dois progenitores).

Salientando que o Parlamento deve ser a “voz dos cidadãos” também nas questões mais delicadas, a líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, admitiu que foi a petição que alertou os deputados para a “injustiça” da lei e que agora se tentaria corrigi-la – ainda que seja uma “experiência traumática que nunca é possível ultrapassar”.

A deputada não-inscrita Cristina Rodrigues defendeu que “quem sofre uma perda gestacional também perde um filho”, embora o Código do Trabalho não o reconheça e pediu uma “abordagem humanizada” à questão. Inês de Sousa Real, líder do PAN, defendeu que os pais “precisam de tempo para se reestruturarem, encontrarem estratégias, recuperarem forças física e psicologicamente” e esse tempo não se coaduna com apenas cinco dias.

O bloquista José Soeiro usou mesmo o termo “cruel” para descrever a lei actual, “claramente desfasada da realidade”. "O luto de uma vida não cabe em cinco dias”, apontou, e, por isso, qualquer prazo é “curto” para uma situação de luto, até para tratar do processo burocrático.

Além dos 20 dias para o luto pelos filhos, o PCP pretende também aumentar de cinco para 15 dias o período de faltas justificadas pela morte de cônjuge e para oito dias por parente ou afim em linha recta ou no segundo grau colateral, a que acrescentou o apoio psicológico no SNS, descreveu Diana Ferreira.

Já o PSD e a IL defenderam que o encargo com o pagamento do salário do trabalhador nesse período de luto deve ser repartido entre o empregador e a Segurança Social: ao primeiro cabe a responsabilidade pelos cinco primeiros dias e ao Estado os restantes. Seria a forma de não onerar demasiado as pequenas e médias empresas, sustentou João Cotrim Figueiredo; e a concretização da “visão conjunta que contemple as famílias, as empresas e os trabalhadores”, argumentou a social-democrata Sandra Pereira.

André Ventura, que apresentou uma proposta em linha com os restantes partidos, enalteceu o consenso e o “passo civilizacional relevante” do Parlamento em final de legislatura.

O ecologista José Luís Ferreira, que não apresentou qualquer projecto, aplaudiu as iniciativas, mas partilhou as suas “reservas” sobre as propostas que colocavam a responsabilidade do pagamento dos dias na Segurança Social: “Devem ser as entidades patronais, até por respeito e solidariedade com o trabalhador, a suportar a retribuição dos dias de faltas justificadas.”

Já o centrista Telmo Correia, realçando o “consenso justo, solidário e humanista” das propostas, defendeu o oposto: deve ser a Segurança Social a pagar porque é um “encargo geral da sociedade”.

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