Pelo direito digno e humano ao luto parental

Enquanto deputada e cidadã só posso agradecer à Associação Acreditar por ter lançado uma petição com vista ao alargamento do período de luto parental de cinco para 20 dias.

A associação Acreditar em boa hora levou à Comissão de Trabalho e Segurança Social, na Assembleia da República, uma petição visando a alteração do regime legal do luto parental. Uma justa reivindicação que, mais do que uma questão social, é uma questão humanitária. A perda de um/a filho/a é um evento contra natura, não expectável. Ditam as leis da natureza que sejam os filhos a verem partir primeiro os pais e não o contrário. Este acontecimento, profundamente traumático, é talvez um dos únicos processos de que, dificilmente, um ser humano conseguirá recuperar, e seguramente que “o luto de uma vida não cabe em 5 dias”.

Muitos pais e mães que passam por esta experiência consideram que deixaram de viver e passaram apenas a sobreviver. É, por isso, uma perda para a qual ninguém está, nem nunca estará, preparado/a. Se “quando nasce um filho, nasce um pai/mãe”, quando morre um/a filho/a, há, de certa forma, a morte de um/a pai/mãe. Um/a filho/a é sempre um ser insubstituível.

Não obstante cada pessoa ter o seu próprio ritmo e processos internos para lidar com a dor, exigir a um/a progenitor/a que volte ao trabalho após os atuais cinco dias de dispensa permitidos pela lei constitui uma dupla violência. O Código do Trabalho e a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas preveem, atualmente, um regime de falta justificada remunerada de cinco dias consecutivos para as situações de morte de um/a filho/a (luto parental). Mas este prazo corresponde praticamente ao período necessário para o tratamento de formalidades associadas à morte de uma pessoa, não deixando espaço para o efetivo exercício do luto parental.

Para mais quando são tantos os casos de pais e mães que acompanharam os filhos/as em estados de doença prolongada, como se pode exigir que estejam em condições emocionais para voltar ao trabalho, após cinco dias, quando se encontram ainda num estado de profundo choque e dificuldade de aceitação do sucedido? Ou como conseguirão ajustar todo o núcleo familiar e dar também o apoio necessário aos irmãos, quando é o caso? Precisamos de leis que respeitem estas famílias e aquilo por que estão a passar, ajudando-as, dando-lhes mais tempo na satisfação das suas necessidades de reestruturação pessoal e familiar.

Por incrível que possa parecer, este é um tema que não tem sido objeto de reflexão por parte da sociedade contemporânea, que não cede espaço a quem vive o luto, estimulando os pais e mães a seguirem em frente a um ritmo contrário ao da experiência da dor e da perda irreparável que passa a marcar as suas vidas. O atual ditame legal é insuficiente e violador dos princípios que devem nortear o bem-estar físico e emocional dos/das trabalhadores/as em casos de luto parental. Vários são os países europeus que, de forma consciente e humana, já estabeleceram um regime mais adequado à posição do/da trabalhador/a nestas situações. São os casos, nomeadamente, da Irlanda, que consagra 20 dias de luto para estes progenitores, da Dinamarca (até 26 dias) e do Reino Unido (duas semanas).

Entendemos que mudar a lei nesta matéria é uma questão de humanismo, de respeito, de solidariedade e de dignidade. E enquanto deputada e cidadã só posso agradecer à Associação Acreditar por ter lançado uma petição com vista ao alargamento do período de luto parental para 20 dias, despertando-nos a todas e a todos para algo tão evidente que escapou, infelizmente, até aqui à atenção do legislador: “que o luto de uma vida não cabe em cinco dias”. Tema que o Parlamento irá muito em breve debater e espera-se que todas as forças políticas se unam para corrigir esta injustiça.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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