Carlos Tavares diz que fusão Peugeot-Fiat é “um escudo” que protege emprego

Gestor português reitera que pretende manter todas as fábricas e as 14 marcas que passam para alçada do novo grupo Stellantis. Este ano haverá dez novos modelos electrificados.

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Os grupos FCA e PSA adoptam em conjunto o nome Stellantis para a empresa que nasce desta fusão Reuters/MASSIMO PINCA

Carlos Tavares falava há 70 minutos quando reiterou aquilo que toda a gente queria ouvir: “Não vamos fechar fábricas.” Enquanto líder do novo grupo Stellantis, que nasce do casamento do grupo Peugeot com o grupo Fiat, o gestor português com o lugar mais destacado na indústria automóvel disse esta terça-feira que o objectivo desta concentração, formalmente finalizada no passado sábado, é precisamente “proteger as fábricas”, as 14 marcas e os 400 mil postos de trabalho que passam para alçada da Stellantis, cuja sede fica na Holanda e que, pelo menos nas bolsas de Paris, Milão e Nova Iorque, teve uma estreia promissora.

"Acreditamos que esta fusão é um escudo, é um movimento que permite proteger empregos, porque dá-nos a escala que nos permitirá enfrentar os custos crescentes que a regulação cada vez mais rigorosa nos impõe”, disse Carlos Tavares, quando questionado sobre o segredo da receita que pretende aplicar neste grupo, que junta debaixo do mesmo tecto empresarial a herança de construtores europeus e norte-americanos como a Peugeot, a Citroën, a Opel, a Chrysler e a Fiat.

Nas primeiras 24 horas de negociação, as acções da Stellantis valorizaram até 11% nos EUA e 7,7% em Itália. Os investidores parecem acreditar nos planos de Tavares, que promete gerar “sinergias” de 5000 milhões de euros, com 80% desta poupança até 2024.

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Os principais gestores da Stellantis celebram a estreia das acções do grupo na bolsa de Nova Iorque Reuters

“Quando tomámos conta da Opel, que comprámos à GM, demos a volta à marca em 18 meses, tornando-a rentável”, recordou o gestor português, que prometeu, de forma confiante, que o plano é manter todas as 14 marcas, entre as quais se incluem algumas em crise como a Lancia, a Alfa Romeo ou a própria Chrysler.

Haverá necessidade de repensar o posicionamento de algumas, admitiu Tavares. Mas nenhuma fábrica será fechada “como consequência desta fusão”, garantiu. Porém, isso não significa que estão automaticamente excluídos encerramentos ou saídas, como se percebeu nas entrelinhas. Nesta fase, prosseguiu Carlos Tavares, esse quadro não se coloca. No futuro, se surgir, ficará a dever-se mais a factores externos do que ao grupo, que se assume o quarto maior fabricante mundial de carros.

“Se em algum momento, os governos criarem regras que destroem os nossos modelos de negócio, seja porque impõem restrições adicionais ou porque decidem que vão banir certo tipo de carros, nós deixaremos de investir, obviamente”, sublinhou, invocando o exemplo da Ford, sem citar esta marca, que na semana passada anunciou o encerramento de todas as fábricas no Brasil.

O mesmo pode acontecer na Europa. Não em Itália, disse Tavares, onde a capacidade de produção instalada excede neste momento as vendas do “braço" Fiat-Chrysler, mas, por exemplo, no Reino Unido. “Se nos disserem que em 2030 não se pode vender carros com motor de combustão interna no Reino Unido, nós respeitamos essa decisão do governo e não continuaremos a investir nesses motores e procuraremos trabalhar noutra direcção”, atalhou.

“Não podemos confundir o escudo protector que esta fusão representa e a nossa capacidade de desenvolver um modelo de negócio lucrativo e sustentável se os governos decidirem mudar as regras. Nós respeitaremos e cumpriremos essas regras, mas se elas nos conduzirem a uma situação em que deixamos de ter um modelo de negócio, então é claro para todos que haverá consequências.”

A “pressão sobre o emprego” não advém das “sinergias”, mas das condições em que os fabricantes trabalham. O problema que todos enfrentam é “um mercado liberalizado mas com grande pressão no preço e uma acumulação simultânea de regulação apertada, que representa um significativo acréscimo de custos e cria uma inflação que esmaga as margens”, analisou Carlos Tavares, que começou a sua carreira na Renault, em França.

Neste cenário, “se não houver capacidade de inovar na produção, o emprego fica em risco”, concluiu, garantindo que a fusão agora concretizada, depois de um processo de 14 meses que mereceu uma investigação aprofundada por parte da Comissão Europeia antes da aprovação final do negócio, fornece precisamente as ferramentas para evitar essa ameaça.

E para ilustrar a importância das sinergias que espera obter sem ser com despedimentos, apontou que o custo do valor acrescentado nas fábricas é de 10% do custo final de cada carro à saída das unidades de produção. Portanto, “há tanto nesta indústria por melhorar” e “90% de custos de produção para optimizar de modo a garantir a rentabilidade”. E descobrir onde actuar, “sem ser destruir emprego” é “uma capacidade competitiva da Stellantis”, concluiu.

O plano de poupança apresentado aos accionistas dos grupos PSA (que tem uma fábrica com mil trabalhadores em Portugal) e Fiat-Chrysler, que votaram de forma esmagadora (mais de 99%) nesta fusão, indica que 40% dos 5000 milhões de euros de poupanças são “sinergias relacionadas com o produto”, ou seja, partilha de plataformas, eficiência na produção e partilha de despesas de investigação e desenvolvimento. Outras 35% virão da cadeia de abastecimento e 25% serão obtidas nos custos comerciais, gerais e administrativos.

Tavares mostrou os 29 modelos electrificados do grupo num slide e prometeu dez novos até ao final deste ano. Assumiu que as vendas no maior mercado mundial, a China, são “decepcionantes” e anunciou a formação de um grupo de trabalho com os cinco principais gestores da Stellantis para analisar o que correu mal e propor um novo plano para a Ásia. 

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