Fusão levará a PSA para os EUA e vai modernizar a Fiat Chrysler

Paris e Roma abençoam “casamento” entre a família Peugeot/Citroën, que aspira a entrar em novos mercados, e família Fiat/Jeep, que se atrasou em desafios como a electrificação.

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Carlos Tavares está à frente da PSA desde 2014 REUTERS/Benoit Tessier

O conglomerado italo-americano Fiat Chrysler Automobiles (FCA) vai juntar-se ao gigante francês PSA (Citroën, Peugeot, Opel, Vauxhall, DS) numa fusão que dará origem ao quarto maior grupo automóvel do mundo e que será comandado por um gestor português, Carlos Tavares.

O noivado foi confirmado nesta quinta-feira e dá à FCA acesso a tecnologia e plataformas mais modernas. Para a PSA, esta união abre as portas do mercado norte-americano, onde o grupo francês prima pela ausência. E a boda tem a bênção do Estado francês, que teria sempre uma palavra a dizer, porque detém 12% do grupo PSA. Depois de ter feito ruir em Junho uma hipotética fusão da Fiat com a Renault-Nissan, Paris dá agora luz verde ao casamento FCA-PSA, que só por si aponta para uma pressão crescente na indústria – cortar custos.

A condução do novo grupo fica nas mãos do presidente executivo (CEO) da PSA, Carlos Tavares, um gestor com créditos firmados nesse campo. “Esta união traz um valor significativo para todos os accionistas e abre um futuro risonho para a entidade que surgirá desta fusão. Estou satisfeito com o trabalho que já foi feito com o Mike [Manley, presidente executivo da Fiat] e ficarei muito feliz por trabalhar com ele para construir uma grande empresa juntos”, diz o executivo português.

"Ainda há muito trabalho a fazer antes de haver um acordo formal, mas já é claro que isto é uma grande oportunidade para as duas empresas”, comentou, por seu lado, o líder da FCA, Mike Manley.

Tavares é visto como um homem capaz de segurar esta aliança. Deu a volta às operações da Renault, onde foi número dois do então líder Carlos Ghosn, e depois de passar pela Nissan, no Japão, foi contratado pela Peugeot/Citroën para recolocar o grupo PSA (com fábrica em Mangualde) no caminho certo. Fez dele o player com as melhores margens da indústria, com controlo de custos e maiores vendas graças a mais modelos, aquisições (Opel e Vauxhall) e uma nova marca, autonomizando a DS.

Desta união nasce um novo gigante mundial, talvez com novo nome, com sede fiscal na Holanda e um conselho de administração com 11 membros, presidido pelo chairman da Fiat, John Elkann.

Para a FCA, este negócio significa no imediato três coisas. Por um lado, é a concretização de um objectivo perseguido desde que o negócio de carros da família Agnelli era gerido por Sergio Marchionne, o gestor de ferro que recuperara a Fiat e a Chrysler e que morreu aos 66 anos em 2018. 

Além disso, uma envelhecida FCA, que se deixou atrasar face à concorrência mais relevante em desafios importantes como a electrificação, ganha acesso às plataformas e tecnologias mais modernas da PSA. 

Uma terceira consequência é que a Fiat pode ganhar ritmo na redução das emissões dos carros que fabrica. Um facto relevante, quando a Europa está a dois meses de baixar ainda mais os limites de emissões de CO2 nos motores novos, com regras que entram em vigor em 2020 e multas pesadas para quem não cumprir. 

Os franceses, em contrapartida, podem assim cumprir mais facilmente um dos desígnios da administração, a reentrada no mercado dos EUA, onde não estão.

E Paris, que tinha na prática inviabilizado a fusão da FCA com a Renault, passa a ver dois grupos com controlo francês no top cinco mundial, com as alianças Renault-Nissan (número dois do mundo) e FCA-PSA (futuro número quatro). “Este negócio dá-nos massa crítica para enfrentar o duplo desafio da condução autónoma e dos carros eléctricos”, comentou o ministro francês da Economia, Bruno Le Maire. 

A possibilidade de haver despedimentos é uma preocupação séria em França. Na crise 2012-2014 da PSA, 10% dos mais de 100 mil trabalhadores iriam ser despedidos, antes de se desfazer a aliança dos franceses com a norte-americana GM. Despedir é a forma mais rápida de poupar. PSA e FCA esperam obter “sinergias” de 3700 milhões de euros com esta fusão. Prometem não encerrar fábricas. O ministro Le Maire prometeu “vigilância apertada”.

Roma, por seu lado, aplaudiu esta “ousada decisão” de fundir dois grandes grupos com raízes europeias. O ministro da Indústria italiano, Stefano Patuanelli, garantiu que o negócio “é bom” e que não põe em causa postos de trabalho.

Resta saber se a “fava” sobra para a Opel (cujas fábricas maiores estão na Alemanha e em Espanha, e as unidades mais pequenas na Sérvia, Polónia e Hungria), ou para a Vauxhall (que tem duas unidades no Reino Unido). FCA e PSA somam 400 mil trabalhadores e comercializam 8,7 milhões de carros por ano, ficando atrás da Volkswagen, da Toyota e da Renault-Nissan.

A fusão é uma troca de acções 50%-50%, mas no mercado bolsista as reacções foram distintas: enquanto as acções da Fiat chegaram a valorizar 11%, as do grupo PSA chegaram a cair 14%. O que pode ter a ver com o facto de os franceses estarem, na prática, a pagar um prémio de 32% para assumir o controlo, o que para os investidores significa que os accionistas do grupo liderado por Tavares assumem riscos maiores do que os da FCA.

Os franceses comprometem-se ainda a dispersar pelos accionistas os 46% que detêm na Faurecia (que fabrica peças e componentes), que tem cinco unidades em Portugal: Vouzela, Nelas, São João da Madeira, Palmela e Bragança. Já os italianos pagarão um dividendo especial de 5500 milhões de euros aos accionistas, mais as acções da Comau, que produz robôs.

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