EUA: Processo tenta travar em tribunal venda de armas “apressada” aos Emirados Árabes Unidos

Armas podem ir parar a mercenários russos na Líbia, teme o próprio Pentágono. Para além dos Emirados, Trump ainda quer vender armamento à Arábia Saudita, Kuwait e Egipto antes de sair da Casa Branca.

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Depois de perder a reeleição, Trump apressou uma série de vendas de armamento ao Médio Oriente TOM BRENNER/Reuters

Não é o único negócio de venda de armas a países do Médio Oriente que a Administração Trump está a tentar concluir antes da tomada de posse do democrata Joe Biden, a 20 de Janeiro. Mas a venda de “armas das mais tecnologicamente avançadas do mundo no valor de cerca de 23 mil milhões de dólares” aos Emirados Árabes Unidos é a única que um think tank está a tentar bloquear nos tribunais.

“Em apenas alguns meses, o Departamento [de Estado] apressou um processo de revisão que habitualmente demora anos para autorizar e finalizar” o negócio, argumenta o New York Center for Foreign Policy Affairs (NYCFPA) no processo que será apresentado esta quarta-feira no tribunal distrital de Columbia. A venda “não cumpre os requerimentos mais básicos da lei” e deve ser considerada “inválida”, pede-se nos documentos a que o jornal britânico The Independent teve acesso.

O negócio inclui 50 caças F-35, um dos mais avançados do mundo, mais de 14 mil bombas e munições, e será a segunda maior venda de drones dos EUA a um só país. A venda dos F-35 e do tipo de drones envolvidos é a primeira para o Médio Oriente – segundo o processo contra o Departamento de Estado e o secretário Mike Pompeo, representa “uma mudança na política” dos Estados Unidos, “que anteriormente recusava autorizar estas vendas temendo que a tecnologia ou as próprias armas acabassem nas mãos erradas”.

Estas armas serão com grande probabilidade usadas no Iémen, onde a ONU diz que o conflito provocou “a maior crise humanitária do mundo”. Um relatório interno do Pentágono, de Novembro, conclui que os EUA não consideraram adequadamente o efeito da venda nas vítimas civis iemenitas. Para além do Iémen, o relatório diz que os Emirados estão a ajudar a financiar o grupo mercenário russo Wagner na Líbia. Esta venda pode ainda provocar uma “corrida às armas” na região, avisam os críticos.

A Constituição dá ao Presidente – mesmo que por poucas semanas – amplos poderes para conduzir a política externa e decidir sobre assuntos de segurança nacional. Mas a lei também requer que o Congresso reveja todos os grandes negócios de armas e que sejam tidos em conta factores como o seu impacto para a segurança dos Estados Unidos.

É ao Departamento de Estado que cabe fornecer uma explicação clara para a decisão: o think tank que se dedica a analisar o impacto da política externa americana no mundo sustenta que a Administração não dedicou tempo suficiente ao processo de revisão nem forneceu provas que justifiquem esta venda aos Emirados Árabes Unidos. Pelo contrário, afirma, este negócio arrisca perturbar as relações no Médio Oriente e pôr em causa a própria segurança dos EUA.

“Sem precedentes”

Um responsável do Departamento de Estado citado no processo diz que “não foram recebidas as garantias necessárias dos Emirados Árabes Unidos para responder a questões sobre a segurança da tecnologia americana” e vários membros das comissões de Relações Externas e das Forças Armadas do Senado “consideraram o processo de autorização da venda incompleto”. Os senadores Robert Menendez e Jack Reed acusam a Administração Trump de ignorar “processos internos de deliberação há muito estabelecidos” para “cumprir um prazo político”.

O senador democrata Chris Murphy sublinhou que os Emirados já violaram acordos de vendas de armas no passado, com armas americanas a acabarem na pose de perigosas milícias. No início de Dezembro, Murphy afirmou que a venda foi apressada depois da eleição de Joe Biden. “O processo normal daria tempo à Comissão de Relações Externas para analisar e colocar questões”, escreveu no Twitter. “Mas depois de Trump perder, precisava de forçar a venda antes de Biden tomar posse para o deixar de mãos atadas. Sem precedentes.”

“Presentes de despedida”

Há outros grandes negócios de armamento em curso na Casa Branca. Na terça-feira, o Departamento de Defesa a anunciou a aprovação da venda de bombas no valor de 290 milhões de dólares à Arábia Saudita, outro negócio que foi apressado para poder ser concluído por Trump. No mesmo dia, foram aprovadas a venda de helicópteros Apache no valor de 4 mil milhões de dólares ao Kuwait e duas vendas ao Egipto, 104 milhões em equipamento defensivo para o avião do Presidente, Abdel Fattah al-Sissi, e 66 milhões em equipamento de precisão para os aviões de guerra egípcios.

“A Administração Trump está a precipitar uma série de presentes de despedida em armas para a Arábia Saudita, apesar do seu histórico deplorável de direitos humanos”, diz ao jornal The Guardian Sarah Leah Wilson, directora da Democracia para o Mundo Árabe Agora (DOWN, na sigla em inglês), a ONG fundada por Jamal Kashoggi, o jornalista brutalmente assassinado no consulado saudita de Istambul, em 2018.

A avalancha de venda de armas acontece num momento em que a equipa de transição de Joe Biden se queixa de não estar a ser informada pelo Pentágono sobre as operações militares a decorrer, como é habitual nas semanas que antecedem a tomada de posse de um Presidente. “Enquanto falamos há dezenas de pedidos de informação pendentes”, disse o Conselheiro para a Segurança Nacional de Biden, Jake Sullivan, à Nacional Public Radio.

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