Ensinamentos de uma Páscoa atribulada

Com a amêndoa na boca, a mesa posta para o cabrito, o ramo entregue aos padrinhos e, principalmente, o depósito de gasolina cheio, os portugueses, povo sereno como se sabe, devem interrogar-se sobre o que fica desta crise em que, de repente nos vimos às portas de nos transformarmos numa Venezuela ou num Reino Unido nos dias após o hard Brexit.

Antes de mais, a fragilidade da uma sociedade assente numa rede de transportes movida a combustíveis fósseis. Se nos falta o combustível, corremos o risco de nos faltar tudo. Isso deve-nos levar a avaliar alternativas e a perceber que formas temos de minorar crises como esta. Não se pede que de repente alteremos radicalmente a forma de nos deslocarmos, mas devemos perceber, por exemplo, quais são as nossas reservas estratégicas ou porque é que um país que se orgulha da modernidade das infra-estruturas não dispôs até hoje de 10 milhões de euros para criar um oleoduto que alimente o seu principal aeroporto, como se passa na generalidade dos grandes aeroportos europeus.

Temos também de nos habituar à emergência de novos fenómenos no mundo laboral, que fogem aos padrões habituais e que, como este Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas, seja por terem profissionais em sectores chave, seja pela inovação colocada nas suas formas de luta, são capazes de causar disrupções graves na sua área de actividade. Já tinha acontecido com os novos sindicatos dos professores e dos enfermeiros e representam novos desafios para o universo sindical, para os patrões e para o Governo.

O Governo também tem de retirar ilações da sua impreparação para lidar, numa primeira hora com esta greve. Não se precaveu quando recebeu o pré-aviso de greve, baralhou-se entre vários ministérios e comunicou muito mal no arranque. A figura do ministro Pedro Nuno Santos acaba por emergir como o negociador que foi capaz de acabar com a crise que ameaçava estragar a Páscoa aos portugueses.

E nós todos o que aprendemos? Que há um Portugal centralizado que se borrifa para o interior como mostrou a requisição civil? Que alguns dos partidos na oposição nem são capazes de ser coerentes com as suas premissas ideológicas quando, perante um conflito entre privados, vêm uma oportunidade de atacar o Governo? Que temos dificuldades em controlar os nossos instintos primários perante uma crise, correndo desenfreadamente para as bombas de gasolina? Se calhar já sabíamos isto tudo, mas aproveitemos o melhor destes dias atribulados e reforcemos a nossa autocrítica. É sempre bom aprender e a quadra pascal é uma boa altura para reflexão. Boa Páscoa.

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