Eduardo Cabrita deu dados errados no Parlamento sobre falhas no SIRESP

Ministério da Administração Interna tem recusado acesso do PÚBLICO a dados sobre falhas do SIRESP desde início de 2018. Número a que o jornal teve acesso desmente informações dadas pelo governante.

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Para multar o SIRESP era preciso que a rede fahasse durante dois meses Daniel Rocha

Estávamos em Abril do ano passado, o ministro da Administração Interna ainda estava fresco no lugar e a vontade de multar a SIRESP,SA pelas falhas da rede de emergência nacional nos incêndios de 2017 ainda era um desígnio do Governo. Nessa altura, Eduardo Cabrita disse na Assembleia da República que o SIRESP tinha falhado nove mil horas em 2017, ou na linguagem contratual, 540 mil minutos. Os dados certos, no entanto, andam muito longe dos números referidos pelo ministro, que recusou ao longo do último ano e meio dar ao PÚBLICO os relatórios oficiais sobre as falhas da rede de emergência nacional ou mostrar os documentos que comprovassem os dados que usou. O resultado? A empresa não será multada como inicialmente foi prometido pelo Governo. E o Estado também ainda não conseguiu entrar no capital como ficou decidido.

“O levantamento que foi feito aponta para nove mil horas de indisponibilidade da rede SIRESP em 2017, e daí tiremos sem demagogias as responsabilidades necessárias”, afirmou aos deputados a 4 de Abril de 2018. Mas nem as falhas detectadas chegaram a esse valor, nem o Governo tirou as “responsabilidades necessárias”.

De acordo com dados a que o PÚBLICO teve acesso, os valores globais não chegam a 200 mil minutos, menos de metade dos dados referidos pelo ministro, e representam uma disponibilidade acima de 99,9%, tornando impossível a multa à empresa. O PÚBLICO pede estes dados ao MAI desde Janeiro de 2018, nunca tendo estes sido fornecidos, apesar da queixa apresentada pelo jornal à Comissão de Acesso a Documentos Administrativos e posteriormente ao tribunal.

É importante referir que esta é um conta global, que os técnicos não fazem, porque em termos de contrato, há, na verdade, duas formas de contabilizar as indisponibilidades da rede: uma que avalia o funcionamento dos “elementos críticos” do sistema (avalia 672 elementos de entre milhares); e outra que contabiliza o funcionamento geral da rede. Para ambos os indicadores, em relação a 2017, a SIRESP ainda tinha muitas horas, ou mesmo dias, em que poderia estar indisponível sem que fosse multada por isso.

O problema está no contrato inicial que, apesar de público, tem anexos confidenciais, entre eles o chamado anexo 29, no qual é descrito o “procedimento de aferição das deduções por falhas de disponibilidade e por falhas de desempenho”. O contrato com a SIRESP,SA, feito por Daniel Sanches do Governo de Durão Barroso e renegociado por António Costa enquanto ministro da Administração Interna do Governo de José Sócrates, com a assessoria do escritório de advogados Linklaters, tem uma espécie de blindagem a penalidades, tornando quase impossível a aplicação de multas.

Para se ter uma ideia, explica um especialista na matéria ao PÚBLICO, para que o Estado pudesse multar a empresa pelo não funcionamento da rede, esta teria de estar totalmente em baixo cerca de dois meses. Ou seja, mesmo com as falhas documentadas de 2017, os valores ficaram muito abaixo do que está previsto no contrato para que a empresa possa vir a ser responsabilizada. 

MAI esconde dados

Para contar esta história é preciso fazer novo flashback. Os relatórios sobre os incêndios de 2017, de Pedrógão Grande e de 15 de Outubro, tanto o da Comissão Técnica Independente como o do professor Xavier Viegas, apontam para o facto de a rede de emergência nacional ter falhado e de com isso ter dificultado o combate aos incêndios e o trabalho de socorro e resgate das vítimas. Por exemplo, na hora em que morreram mais pessoas em Pedrógão, houve 537 chamadas falhadas.

Perante estes dados, o Governo depressa afirmou ser sua intenção de exigir o pagamento de penalidades previstas no contrato e de apurar responsabilidades pelas falhas do sistema, era ainda Constança Urbano de Sousa ministra da Administração Interna. 

O PÚBLICO começou então a pedir ao MAI acesso aos relatórios que sustentavam a decisão, sobretudo os que mostram o apuramento das falhas da rede de emergência nacional. Os primeiros pedidos ainda foram com a anterior ministra, repetidos por várias vezes desde Janeiro de 2018 ao actual MAI. Pedidos que continuam sem resposta.

Em Março de 2018, o MAI, já com Eduardo Cabrita como ministro, respondia ao PÚBLICO que o relatório sobre as falhas ainda não estava concluído, mas um mês depois, Eduardo Cabrita dizia no Parlamento que tinham sido contabilizadas nove mil horas de falhas. Esta declaração motivou novas perguntas do PÚBLICO, que permaneceram sem retorno durante meses. Em Outubro, no meio de uma resposta a um requerimento escrito do PSD, o MAI dizia que não tinham sido aplicadas multas por não terem sido “recolhidas evidências do incumprimento dos níveis de serviço contratualmente estabelecidos”. 

No mesmo mês, o gabinete de Eduardo Cabrita responderia ainda ao PÚBLICO que “o MAI não ‘desistiu'” da aplicação de multas, mas que foi feita uma “verificação” da disponibilidade da rede e que “após a realização dessa verificação concluiu-se que a operadora cumpriu os níveis de serviço contratualmente estabelecidos, pelo que não houve lugar à aplicação de penalidades”. 

O PÚBLICO interpôs uma acção em tribunal contra o MAI no verão do ano passado. Em Fevereiro deste ano, o MAI respondeu ao Tribunal que a documentação sobre o SIRESP poderia ser consultada se o PÚBLICO fosse às instalações da Secretaria-Geral do MAI. Assim aconteceu, a 8 de Fevereiro. Nesse encontro, esperava o PÚBLICO o secretário-geral-adjunto, Francisco Gomes, para uma reunião para explicar o funcionamento do sistema, sem que tivesse autorização para fornecer os dados pedidos. O Tribunal decidiu em Março que o MAI tem de os entregar, mas até à data nem foram entregues ao PÚBLICO, nem o MAI recorreu.

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