Isolado, mas firme no poder, Maduro inicia novo mandato sem jurar no Parlamento

Presidente da Venezuela inaugura segunda legislatura em plena crise de legitimidade, com tomada de posse Supremo Tribunal, e não na Assembleia Nacional, como manda a Constituição. Oposição e comunidade internacional não reconhecem novo mandato.

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Nicolás Maduro, Presidente da Venezuela EPA/MIGUEL GUTIERREZ

Mais isolado que nunca e, ao mesmo tempo, nunca esteve tão firme no poder. Nicolás Maduro presta esta quinta-feira juramento, perante o Supremo Tribunal de Justiça venezuelano, para iniciar mais um mandato como Presidente de uma República Bolivariana da Venezuela imersa numa crise económica, social e humanitária sem fim à vista.

A realização do acto solene no principal órgão judicial do país foi a solução do chavismo para contornar o que a oposição e a comunidade internacional entendem como uma sucessão de violações à Constituição e aos princípios de um Estado democrático. Mas que Maduro encara como o único caminho possível para manter a ordem, face a um Parlamento “em desacato” e a uma estratégia deliberada de asfixiar a economia venezuelana, liderada pelos Estados Unidos.

A Lei Fundamental venezuelana estabelece que “o candidato eleito tomará posse como Presidente da República no dia 10 de Janeiro, mediante juramento na Assembleia Nacional”. O problema é que o Governo deixou de reconhecer a legalidade do órgão legislativo, controlado desde 2015 pela Mesa da Unidade Democrática (MUD) – a plataforma política de oposição ao chavismo –, e cujo novo presidente também não aceita a legitimidade de Maduro.

“A partir de 10 de Janeiro, Maduro estará a usurpar a Presidência da República. Estamos em ditadura”, declarou Juan Guaidó, do partido Vontade Popular, ao tomar posse, no dia 5.

O regime virou-se, por isso, para o Supremo, baseando a sua decisão na referência constitucional que determina que “se por qualquer motivo o Presidente não puder tomar posse perante a Assembleia Nacional, fá-lo-á perante Supremo Tribunal de Justiça”. O “motivo” apresentado foi a tal condição de “desacato” que atribui ao Parlamento. 

Mas nem a oposição, nem a grande maioria dos países reconhecem a validade do novo mandato do sucessor do falecido ícone do socialismo bolivariano, Hugo Chávez, que chegou ao poder em 2013.

Da Constituinte à “grande fraude”

Para se entender a posição dos opositores ao chavismo e de Estados e organizações como a União Europeia, os Estados Unidos, o Canadá, a Colômbia ou o Brasil, é preciso recuar, pelo menos, até 2015.

Com a conquista inédita da Assembleia Nacional pela MUD, iniciou-se um período dois anos, no qual imperou um braço-de-ferro entre os deputados e o poder executivo. A deterioração da economia da Venezuela – totalmente refém do preço do barril do petróleo nos mercados internacionais – e o aumento da pobreza, da desigualdade e da violência conduziram um extremar de posições entre as partes e bloquearam o exercício do poder político. 

A resposta de Maduro foi, no mínimo, criativa. Repudiando as acusações da MUD sobre a repressão, perseguição e detenção de milhares de opositores políticos, a politização dos tribunais e das autoridades eleitorais e a responsabilidade pela escassez de alimentos básicos e medicamentos, pela hiperinflação galopante, pelo êxodo de milhões e pelos níveis altíssimos de violência urbana, o regime abriu caminho, em 2017, à criação de uma Assembleia Constituinte, cuja eleição foi boicotada pela oposição.

Composto por simpatizantes e elementos próximos do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) e legitimado por Maduro, o novo órgão reclamou e assumiu a influência, as competências e o poder efectivo da Assembleia Nacional que, na prática, se transformou numa instituição oca.

Inclinado o terreno a favor do poder vigente, na visão da oposição, o regime agendou eleições presidenciais para Maio do ano passado. Mas a campanha e o próprio acto eleitoral foram marcados por irregularidades, como a interdição das candidaturas dos dois principais rostos da MUD, Leopoldo López e Henrique Capriles, a ilegalização temporária de vários partidos da coligação opositora ou a retenção dos subsídios sociais aos que não fossem votar munidos do “cartão da Pátria” – um documento electrónico de identificação, criado em 2017, através do qual o Estado distribui subsídios vários e que a oposição diz ser um instrumento de controlo e chantagem de cidadãos com fome.

A oposição rejeitou fazer parte da “grande fraude” e não participou na eleição. E tanto a União Europeia, como o Grupo de Lima – composto por 14 países do continente americano, incluindo os EUA, e dedicado à resposta à crise venezuelana – não reconheceram a legitimidade e o resultado da votação, que lançou Maduro para mais seis anos de poder. Para ambas as organizações, apenas a Assembleia Nacional representa o poder político na Venezuela.

Quem são os amigos?

Na tomada de posse desta quinta-feira estarão, por isso, pouquíssimos representantes internacionais. Segundo a CNN, Evo Morales (Bolívia), Miguel Díaz-Canel (Cuba), Daniel Ortega (Nicarágua) e Salvador Sánchez Cerén (El Salvador) são os únicos chefes de Estado confirmados, sendo que a Turquia vai enviar o seu vice-presidente Fuat Oktay. UE e EUA não se farão representar.

A principal incógnita vem do México. O país faz parte do Grupo de Lima, mas recusou assinar a mais recente declaração conjunta de condenação ao regime. O seu novo Presidente, López Obrador, é o primeiro chefe de Estado mexicano de esquerda em quase 90 anos e até convidou Maduro para a sua tomada de posse em Dezembro, pelo que pode ser a grande surpresa no juramento chavista.

Obter respaldo (e dinheiro) internacional é um enorme desafio para Maduro. Principalmente porque nos últimos anos assistiu à redução substancial das remessas cubanas, nicaraguenses e até chinesas. Atulhado em sanções políticas, económicas e militares, o regime subsiste agarrado à guarida dos tribunais, ao apoio do Exército, ao controlo do sector energético – a exportação de petróleo representa 96% das suas receitas – e à ampla rede clientelar distribuída pelo país. 

Além disso, Maduro tem beneficiado de uma certa desagregação da própria MUD, que junta partidos, ideologias e convicções políticas distintas, e que está permanentemente em desacordo sobre a estratégia a seguir.

Para Matias Spektor, especialista em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (Rio de Janeiro), o principal garante da longevidade do regime é, porém, o poder militar. O investigador brasileiro diz mesmo que a última declaração do Grupo de Lima deixou transparecer uma tentativa de persuasão do Exército – que na quarta-feira jurou lealdade a Maduro –, para que vire as costas ao Presidente.

“Para que o regime colapse é necessário tirar Maduro do país e fazer com que o Exército deixe de o apoiar. E para isso é preciso ir enviando sinais aos militares de que se continuarem com Maduro, no longo prazo, vão perder poder”, explica Spektor ao Guardian.

Certo é que a Venezuela precisa de novas fontes de rendimento para se manter à tona. Como ficou provado com desvalorização colossal do bolívar, apresentada sob a forma de uma nova moeda, indexada à criptomoeda petro – não reconhecida pela comunidade internacional –, ou com a aceitação de oito milhões de euros das Nações Unidas para combater a fome e prevenir doenças. 

Decisões relevantes para um Presidente que garante que os relatos sobre a existência de uma crise humanitária dentro das fronteiras da Venezuela não passam de “invenções”, mas que já viu mais de dois milhões de venezuelanos abandonarem o território desde 2014. 

O seu estado de espírito, numa mensagem de Ano Novo ao país, transbordava, ainda assim, de esperança. E de uma certeza: “Aguarda-nos a vitória, aguarda-nos o futuro e tudo será melhor!”.

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