Maduro cria nova moeda, mas só agrava caos na Venezuela

Regime ataca hiperinflação com reconversão monetária e aumento do salário mínimo, mas entre a população há mais perguntas que respostas. Para terça-feira está prevista uma greve geral.

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Rolo de papel higiénico: 2.600.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
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Um quilo de farinha de milho: 2.500.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
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Um quilo de cenouras: 3.000.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
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Um pacote de fraldas: 8.000.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
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Um quilo de carne: 9.500.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
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Um pacote de pensos higiénicos: 3.500.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
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Um pacote de 500 gramas de margarina: 3.000.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
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Um quilo de tomate: 5.000.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
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Um quilo de arroz: 2.500.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
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Um quilo de queijo: 7.500.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
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Um quilo de esparguete: 2.500.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS
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Uma galinha de 2,4 quilos: 14.600.000 de bolívares Reuters/CARLOS GARCIA RAWLINS

Entrou esta segunda-feira em vigor a mais recente investida do Governo de Caracas contra a hiperinflação galopante que há muito tomou de assalto a Venezuela. Apresentado pelo Presidente Nicolás Maduro como a única fórmula para “desmontar a perversa guerra do capitalismo neoliberal”, o novo pacote de reformas inclui uma reconversão monetária, um aumento extraordinário do salário mínimo e a vinculação da nova arquitectura ao petro, a criptomoeda criada em Fevereiro. Um complexo sistema de permutas entre moedas que o regime garante que permitirá o “reequilíbrio geral da sociedade” venezuelana, mas que a população recebe com o mesmo cepticismo de sempre.

Muitos comerciantes decidiram mesmo fechar as portas por uns tempos, por que ainda não entendem muito bem como funciona o novo regime. Um sentimento de enorme incerteza extrapolado pelo medo, já rotineiro, do aumento brutal do custo de vida e da constante escassez de comida, de água potável e de medicamentos, que não aconselham ao risco. O Fundo Monetário Internacional projecta para a Venezuela uma inflação de 1 milhão por cento, em 2018.

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“Não percebo como vamos fazer com as duas moedas, por isso prefiro fechar”, disse Luisa Guerra à AFP. “Não sabemos o que fazer. Não sei se estamos a dar um passo atrás ou um passo à frente”, corrobora ao El País Josefa Hernández, que também tem mantido a sua loja encerrada à espera que as coisas “se normalizem”. 

As dúvidas das comerciantes Luisa e de Josefa passaram igualmente pela cabeça de outros milhões de venezuelanos, que nos últimos dias irromperam pelos supermercados e atulharam as bombas de gasolina para comprar o máximo de bens possível, com medo do que as mudanças possam trazer. “Se me roubarem ao pagar, nem vou perceber”, justifica Carolina Palencia ao Globo.

De acordo com as novas regras, à moeda local – a partir de agora referida como “bolívar forte” – sucede o “bolívar soberano”, que não é mais do que uma desvalorização cambial descomunal da primeira, calculada num corte de cinco zeros. 

Posto em circulação sob a forma de oito notas e duas moedas, o “bolívar soberano” conviverá nos primeiros tempos com as notas e moedas de “bolívar forte”. A única excepção são as notas de 1000, que deverão ser trocadas nos próximos sete dias.

Com o bolívar antigo, eram precisas 7500 notas de mil para comprar um quilo de queijo.

A nova moeda estará agrilhoada ao desempenho do petro. Actualmente avaliada pelo Governo em cerca de 52 euros, a criptomoeda suportada pelas reservas energéticas do Estado será a divisa orientadora dos preços dos bens e salários no país. Uma estratégia que gera muitas dúvidas junto dos analistas, em grande parte devido à falta de confiança e credibilidade transmitidas por Maduro, que fazem do petro uma moeda demasiado vulnerável (e que nem sequer é reconhecido fora da Venezuela). “Ancorar o bolívar ao petro é ancorá-lo a nada”, diz à AFP o economista Luis Vicente León, da Universidade Católica Andrés Bello, em Caracas.

Certo é que toda esta nova arquitectura cambial tem um efeito imediato. Para tentar suavizar a reconversão brutal monetária, Maduro anunciou o aumento do salário mínimo em 34 vezes – para 180 milhões de bolívares (cerca de 30 euros) –, já a partir do dia 1 de Setembro. 

Estão ainda previstas alterações no sistema de subsídios para a aquisição de gasolina. Para aceder aos preços regulados pelo Estado e àquele que ainda é o mais económico preço de combustível do mundo, os venezuelanos terão agora de apresentar, obrigatoriamente, o “cartão da Pátria” – um documento electrónico de identificação, em vigor desde 2017, através do qual o Estado distribui subsídios vários e que a oposição diz ser não ser mais do que uma forma de controlar e chantagear os cidadãos.

Uma medida que deixa muitos venezuelanos de mãos atadas. “Não quero pedir o cartão, mas se não o tiver não poderei fazer nada. Não me posso dar ao luxo de pagar gasolina a preço internacional”, explica Andrés Martínez, citado pelo jornal colombiano El Espectador. “Não sou opositor [de Maduro], mas também não sou de classe média”, justifica.

Greve contra as “medidas de fome e ruína”

Ainda que oficialmente em vigor, o sistema económico “virtuoso, equilibrado, sustentável, saudável e produtivo” prometido por Maduro só começa a ter repercussões práticas na terça-feira. Para além de ter decretado feriado nacional para segunda-feira, o Presidente ordenou o encerramento dos bancos e a suspensão de todas as transacções electrónicas até às 18h locais.

A sensação assemelha-se, por isso, ao respirar fundo antes de um longo mergulho. À incerteza de comerciantes e compradores e à expectável corrida aos bancos e aos postos de câmbio, acrescerá ainda uma série de actos de protesto, cuja adesão se adivinha bastante significativa. Na terça-feira terá lugar a primeira manifestação e logo sob a forma de uma greve geral, convocada por opositores políticos e representantes sindicais.

Através do Twitter, Andrés Velásquez, da Causa Radical, chamou à rua “trabalhadores, empresários, estudantes e desempregados”, para com ele demonstrarem “total repúdio às medidas de fome e de ruína de Maduro”. Um desafio igualmente proposto por Maria Corina Machado, do Vamos Venezuela, que promete resistência total ao regime, com uma mensagem clara: “Ou ficam e nos exterminam, ou expulsamo-los e reconstruímos a Venezuela”.

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