Bruxelas quer solução para o crédito malparado dos bancos

Comissão Europeia defende resposta à exposição dos bancos ao crédito em incumprimento. Sobe o Orçamento, lembra os “riscos” do abrandamento da economia externa e lamenta reversões de algumas reformas no Estado.

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Nas empresas, o crédito em incumprimento representa 15,5% dos empréstimos concedidos pela banca Adriano Miranda

O tema entrou definitivamente na agenda política. Depois de o governador do Banco de Portugal e do primeiro-ministro, agora foi a vez da Comissão Europeia vir defender uma solução para o problema do crédito malparado na banca. Um sinal de que haverá abertura do lado das autoridades europeias para debater o assunto com o Governo português, depois de um longo processo de negociação com a Itália.

No relatório da terceira avaliação pós-programa da troika, divulgado nesta segunda-feira, Bruxelas sugere que se estude uma resposta para o problema. Se ela passa por um “veículo de resolução”, como admitiu António Costa, Bruxelas não diz, nem propõe uma medida concreta.

O diagnóstico, pelo menos, vai ao encontro do que disse o primeiro-ministro, dias depois da vinda do presidente do Banco Central Europeu (BCE) a Lisboa. “Os bancos continuam a ter uma elevada e crescente exposição ao crédito malparado, a activos hipotecados e a investimentos imobiliários problemáticos”, constatam os técnicos da Comissão Europeia, sublinhando que “os bancos registaram lucros em 2015 mas os níveis elevados de crédito em incumprimento pesam na rendibilidade e solvabilidade” das instituições.

Em quase 200 mil milhões de euros de empréstimos a residentes (empresas e particulares), 9% são créditos em incumprimento – perto de 18 mil milhões de euros. E o valor aproxima-se dos 20 mil milhões considerando todo o universo dos empréstimos concedidos pelo sector financeiro, sendo particularmente evidente nas empresas (onde o malparado representa 15,5% dos empréstimos).

O tema do “banco mau” veio à baila no último debate quinzenal, com o primeiro-ministro a dizer que a solução “não pode ser [encontrada] à custa dos contribuintes”. Mas se essa é a intenção, a garantia absoluta de que não haverá custos para o erário público não foi dada entretanto pelo ministro das Finanças.

Um dos casos para o qual o Governo está a olhar é para o modelo seguido em Itália, que acaba de fechar uma longa negociação com as autoridades europeias para ajudar os bancos a reduzirem os activos problemáticos, através de um fundo financiado por bancos, seguradoras e investidores institucionais.

Inicialmente, o Governo italiano propôs a criação de um “banco mau” que compraria activos tóxicos dos bancos pelo pagamento de títulos de dívida, mas Bruxelas rejeitou essa solução, alegando que poderia configurar ajuda de Estado. A solução que acabou por vingar passa pela concessão de garantias públicas. No sábado, em Washington, Mário Centeno falou à Bloomberg, frisando que a solução ainda está numa “fase embrionária” e poderá haver diferenças em relação ao tipo de activos a incluir neste instrumento.

Riscos e reformas

No mesmo relatório onde identifica esta prioridade, Bruxelas deixa alguns avisos ao Governo – uns sobre as orientações de política económica para os próximos anos, outros sobre a execução do Orçamento do Estado. Em relação às contas públicas, a Comissão continua a dizer que há um risco de “desvio significativo” na redução do défice estrutural de 2016 face ao valor recomendado por Bruxelas (0,6% do PIB).

No relatório, Bruxelas adverte para o ambiente adverso na economia externa. E frisa que no Programa de Estabilidade – que o executivo conta aprovar no Conselho de Ministros de quinta-feira – o esforço de consolidação das contas públicas vai continuar a ser acompanhado de perto.

Bruxelas não se refere ao que poderá vir a ser adoptado no “plano B” pedido pelos parceiros europeus, mas sublinha que o cumprimento das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) será tido em conta. E recorda que o Governo se comprometeu a apresentar medidas adicionais para pôr em marcha “quando necessário”.

Aliás, se a Comissão Europeia já tinha levantado algumas dúvidas em relação ao “plano A”, já o FMI está a prever um défice de 2,9% para este ano, sete décimas acima do valor projectado pelo Governo. Bruxelas é, por exemplo, mais prudente do que o executivo em algumas previsões de receita (caso do imposto sobre o tabaco) e no controlo de alguns custos (controlo nas baixas por doença).

Outro aviso que Bruxelas deixa no relatório tem a ver com o abrandamento da conjuntura internacional, pelo impacto que pode ter na economia, nomeadamente nas exportações – e, por arrasto, nas receitas fiscais. A Comissão insiste que a recuperação económica será “moderada” (com o PIB a aumentar 1,6%, menos do que os 1,8% projectados pelo executivo).

Ao mesmo tempo, Bruxelas acredita que a criação de emprego vai abrandar no curto prazo, ficando mais alinhada com o crescimento do PIB. A emigração, nota Bruxelas, foi um factor de ajustamento do mercado de trabalho durante a recessão, mas no longo prazo vai condicionar as perspectivas de crescimento, devido à redução da população em idade de trabalhar.

Além das previsões económicas, Bruxelas critica o facto de algumas “importantes das reformas da administração pública decididas” durante o programa da troika estarem a ser revertidas.

Bruxelas refere, por exemplo, a tabela única de suplementos na função públicas, que vai ser reavaliada), o programa de “requalificação” de trabalhadores do Estado, que está congelado, e o regresso às 35 horas semanais. A Comissão lamenta ainda que o actual Governo não tenha dado seguimento àquilo que diz ser uma “reforma abrangente” da Segurança Social que o anterior executivo inscreveu no Programa de Estabilidade de 2015, quando se referiu então ao “impacto positivo na ordem de 600 milhões de euros no sistema de pensões”.

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