Silva Lopes: o economista que fez História

Fez parte da negociações que levaram à entrada de Portugal na EFTA, participou na nacionalização da banca, susteve a economia nacional e introduziu o subsídio de Natal. A voz critica de Silva Lopes deixou de se ouvir desde quinta-feira.

Foto
A voz crítica deixou de se ouvir na quinta-feira

Recuemos a 1975, período de profundas transformações e clivagens em Portugal. Na sequência do 11 de Março, com a criação do Conselho da Revolução e viragem à esquerda, a velocidade dos acontecimentos no Portugal do pós-25 de Abril conhece uma aceleração. Silva Lopes, então ministro das Finanças, e Manuel Jacinto Nunes, Governador do Banco de Portugal (escolhido por Silva Lopes), têm preparado um plano para a intervenção do Estado nos bancos, com a nomeação, transitória, de administradores por parte do Estado. A estratégia tinha sido pedida pelo primeiro-ministro Vasco Gonçalves, líder do III Governo provisório,

A economia estava quase parada, a inflação subia em flecha, faltavam divisas, e os sindicatos pressionavam para alterações de fundo. A nível global, os efeitos adversos do choque do petróleo e aumento de preços dos combustíveis agravavam ainda mais a situação.

Os dois responsáveis são então chamados ao Palácio de Belém, ocupado por Costa Gomes. Já de noite, e após uma espera de várias horas, Silva Lopes e Jacinto Nunes entram numa sala onde, além de Vasco Gonçalves, estão personalidades como Pinheiro de Azevedo e Melo Antunes.

De acordo com relatos posteriores de Silva Lopes e de Jacinto Nunes, os dois começam então a falar sobre o seu plano, mas são interrompidos: o Conselho de Revolução optara por nacionalizar a banca, algo com que Melo Antunes não concordou. Pelo meio, Pinheiro de Azevedo queria incluir na lista o Montepio (que não é privado) e a Caixa Geral de Depósitos (que já era estatal). “A ideia da nacionalização da banca não partiu de mim, nem era o meu projecto, mas de facto tenho de reconhecer que acabei por apoiá-la”, recordará Silva Lopes no livro “Memórias de Economistas”.

A 14 de Março, é publicado em Diário da República o diploma que legalizava a passagem dos bancos para o Estado, à excepção dos que tinham capitais estrangeiros, seguindo-se depois as seguradoras. No diploma, ficava estipulado que os novos gestores seriam nomeados pelo primeiro-ministro, após ouvir o ministro das Finanças, Silva Lopes, e os sindicatos. Mas a força era desigual. “Quando apresentei a lista (de nomes para os bancos), numa reunião em que também estava gente dos sindicatos, percebi que quem mandava não era eu, eram os sindicatos, e os meus nomes não interessavam. Portanto, dirigi-me ao primeiro-ministro e demiti-me de ministro das Finanças”.

O economista, que se iniciara nas lides governamentais logo em 1974, com o I governo provisório (como secretário de Estado das Finanças, passando a ministro da pasta com a formação do II Governo), foi ainda ministro do Comércio Externo do IV Governo, formado no final de Março de 75, mas saiu do executivo ao mesmo tempo que o PS. As nacionalizações, entretanto, alargavam-se a todo o tecido económico nacional. Teve ainda uma breve passagem de três meses pela pasta das Finanças do III Governo Constitucional em 1978.

Silva Lopes, que introduziu o subsídio de Natal em Portugal, assistiu a uma das piores recessões de sempre e avançou para o primeiro défice orçamental em meio século, nunca mais fez parte de nenhum Governo. Mas nunca se ausentou da participação pública e dos destinos da economia portuguesa, nos quais se envolveu desde muito cedo.

A abertura ao exterior
Nascido a 10 de Maio de 1932 em Ourém, José da Silva Lopes entrou em 1949 para o curso de Finanças do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ex-ISCEF, hoje ISEG), em Lisboa. Pouco tempo após ter concluído a licenciatura, é aceite no Ministério da Economia para trabalhar temas como comércio internacional e integração europeia. Pelas suas funções, e porque era um dos poucos que falava inglês, vê-se, aos 27 anos, envolvido nas negociações da adesão de Portugal à EFTA (European Free Trade Association).

A Europa reconstruía-se do pós-guerra, e Portugal não ficou totalmente à margem das transformações. Em 1959, o país adere à EFTA, após várias negociações nas quais Silva Lopes teve um papel activo. Uma das vitórias foi a obtenção de um maior período de carência, protegendo a indústria nacional da concorrência internacional, com maior facilidade de trocas comerciais e movimento de capitais. É nesta altura que várias multinacionais entram em Portugal e, em 1963, o valor da produção industrial em Portugal supera pela primeira vez o da produção agrícola. “A EFTA deu um impulso extraordinário à industrialização portuguesa e à abertura de Portugal ao exterior”, atestou Silva Lopes.

Portugal adere também à OCDE, ao Banco Mundial, ao FMI e ao GATT (o Acordo Geral de Tarifas e Comércio, no qual também participa). No entanto, como referiu Silva Lopes, no livro “Políticas económicas, 1965/1995”, foi a participação na EFTA “que trouxe a contribuição mais decisiva para a maior liberalização da política económica” do Estado Novo. A entrada no FMI também traria os seus impactos, por várias vezes, mas só após o 25 de Abril de 1974.

Até se estrear na vida governativa com a revolução dos Cravos, Silva Lopes continua a aprofundar os seus conhecimentos europeus e de comércio internacional. Foi director do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério das Finanças (entre 1969 e1974), envolvendo-se de forma muito activa nas negociações do acordo de comércio livre com a CEE de 1972 .

Com Marcello Caetano no poder, passa entretanto para a administração da Caixa Geral de Depósitos. “Não tive uma actividade política muito clara, mas era sabido que não era adepto do regime”, afirmou. Teve dois convites ligados ao Governo, um dos quais para o cargo de secretário provincial de Economia em Angola, mas declinou.

O 25 de Abril vai apanhá-lo em Paris, em trabalho.  “Não havia aviões para Lisboa. Fiquei bastante emocionado, quis logo voltar para Portugal. Meti-me com o embaixador Ruy Teixeira Guerra num avião para Madrid. Em Madrid, alugámos um táxi e viemos para Lisboa”, de acordo com a entrevista publicada no livro “Memórias de economistas”.

O “milagre” do MIT
Além da sua experiência à frente da pasta das Finanças, Silva Lopes vai assistir, na linha da frente, como Governador do Banco de Portugal, à crise que se seguiu ao 25 de Abril. Após a saída do IV Governo e cinco meses de desemprego, Francisco Salgado Zenha, ministro das Finanças do VI Governo Provisório (liderado por Pinheiro de Azevedo) convida-o para responsável do banco central. Aqui, enfrenta um grave problema: a falta de divisas, necessárias à compra de bens essenciais ao país.

Os empréstimos de países como a Alemanha e os Estados Unidos revelam-se cruciais, bem como a existência de ouro nos cofres do Banco de Portugal. Mas a “importação” de capital intelectual também ajudou. Em 1974, já tinham aterrado alguns professores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), como o futuro Nobel da Economia, Robert Solow (que sublinhou a necessidade de um défice orçamental para equilibrar a economia).

Em 76, no meio de um combate pela desvalorização do escudo (defendido por Silva Lopes), surge uma nova equipa do MIT, com nomes como o de Rudiger Dornbush e Paul Krugman (o futuro Nobel era ainda um estudante). Dornbush “trouxe a ideia do crawling peg do escudo. Foi uma ideia brilhante que introduzimos na nossa política financeira, e mudou todo o contexto”, atestou Silva Lopes. O escudo desvalorizava 1% ao mês, e se a descida fosse maior havia reembolso aos investidores de dívida. O economista que se auto-intitulava um “pessimista” diz que “o crawling peg foi mais um dos milagres da economia portuguesa”. 

 A subida dos juros, mais empréstimos dos EUA, e o acordo com o FMI (por causa da balança de pagamentos e da elevada inflação) ajudaram a normalizar a situação. Após a sua última e breve passagem pelo Governo, em 1978, Silva Lopes volta ao Banco de Portugal, de onde sairá em 1980. A sua vida profissional vai levá-lo a trabalhar, a nível internacional, com o FMI, com o Banco Mundial e com o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (aqui como administrador).

Contributos até ao fim
Em Portugal, teve uma experiência política nos anos 80 como deputado pelo PRD, através de Ramalho Eanes, e mantinha uma ligação à CGD. Em 1989, o então ministro das Finanças, Miguel Cadilhe, coloca-o como relator do Conselho do Sistema Financeiro, que elaborou a nova legislação para o sector bancário.

Já nos anos 90, assume funções de consultor do Banco de Portugal (era ainda, até agora, membro do conselho consultivo), instituição na qual criara o Gabinete de Estudos de Económicos (por onde passaram nomes como Cavaco Silva e Miguel Beleza).

A partir de1996, depois de ter presidido à Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, fica à frente do Conselho Económico e Social (CES) até 2003. Antes de se reformar, em 2008, Silva Lopes (que não deixou de ter uma carreira académica com ligações a várias faculdades), foi ainda presidente do Montepio Geral, cumprindo um mandato de quatro anos.

Sempre atento à actualidade nacional, com uma perspectiva global, Silva Lopes foi, até ao fim, uma voz presente na comunicação social e em diversos eventos público. Em 2006, via o país a divergir da Europa, e onde outros viam um mero ciclo, ele via algo mais estrutural, e mostrava-se assustado com as perspectivas de crescimento.

O último dos seus grandes contributos surgiu nas páginas do PÚBLICO, entre Setembro e Novembro do ano passado, juntamente com Manuela Morgado, Mário Valadas e Cordeiro Baptista, economistas e amigos. Nas páginas que assinavam avançavam-se com propostas para o crescimento económico, de forma sustentável, e olhavam para o futuro.

Em 2006, Silva Lopes dizia: “No passado, sempre achei que não havia forma de as coisas se resolverem na economia portuguesa, e acabou por acontecer sempre um milagre. Pode ser que desta vez também aconteça um”.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários