Mercados em festa com abertura de Draghi ao uso de artilharia pesada

Presidente do BCE admite "ajustar política monetária" e atira taxas de juro da dívida para mínimos históricos.

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BCE diz que o objectivo dos testes é reforçar a solidez da banca Ralph Orlowski/Files/REUTERS

O euro recuou para mínimos de 11 semanas, as taxas de juro da dívida soberana bateram mínimos históricos, as bolsas fecharam com ganhos significativos. Foi uma segunda-feira de festa nos mercados financeiros e tudo porque o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, admitiu, na sexta-feira à noite, num discurso pronunciado nos Estados Unidos, que a autoridade monetária da zona euro está disposta a ir mais longe para combater os riscos de deflação e para impulsionar a procura na economia.

Apesar de as atenções estarem centradas nas palavras que a presidente da Reserva Federal, Janet Yellen, iria dirigir a uma plateia de banqueiros centrais em Jackson Hole, Draghi acabou por ser a figura do encontro. O líder do BCE afirmou-se confiante de que as medidas anunciadas em Junho, nomeadamente a cedência de liquidez aos bancos que a encaminharem para a economia real, vão produzir os efeitos desejados. Mas, num quadro de inflação baixa (0,4% em Julho) e de estagnação económica, Draghi afirmou que o BCE “está pronto para ajustar mais a sua política”.

Os mercados interpretaram estas palavras como sendo um sinal de que a autoridade monetária está disposta a recorrer, agora, à artilharia mais pesada, nomeadamente ao chamado programa de quantitative easing, que consiste na injecção de dinheiro na economia através da compra de dívida soberana no mercado secundário. Este mecanismo produziu evidentes efeitos nos Estados Unidos e também no Reino Unido, mas tem gerado resistências na Alemanha, especialmente por parte do banco central liderado por Jens Weidmann, que integra o conselho de governadores do BCE.

Os analistas do banco britânico Barclays acreditam que o discurso do presidente do BCE  em Jackson Hole “foi um evento maior e marca uma ruptura na retórica do BCE”. Para Lutz Karpowitz, especialista cambial no Commerzbank, “o mercado interpretou as palavras de Draghi como querendo dizer que as compras de dívida são agora muito mais prováveis”.

Draghi e os seus pares na mais alta instância do BCE, o conselho de governadores, têm de fazer alguma coisa para afastar os riscos de deflação e para potenciar o crescimento. Na sua última edição, a revista The Economist lembrava que o quadro económico da zona euro é preocupante. Tomando 2011 como a base 100, o produto interno bruto (PIB) dos Estados Unidos cresceu para 108, o do Reino Unido para 105,3, o do Japão para 104, enquanto o dos países da moeda única está ainda abaixo, nos 98. E afirmava que o BCE soube reagir bem à crise financeira que eclodiu em 2008, mas depois deixou-se ultrapassar pelos acontecimentos, enquanto os seus parceiros norte-americano, britânico e japonês optavam por medidas não convencionais para combater a estagnação económica.

No segundo trimestre deste ano, segundo o Eurostat, o PIB da zona euro estagnou face aos três meses precedentes, com a Alemanha e a Itália a recuarem 0,2%, enquanto o Reino Unido evidenciava um crescimento de 0,8%. E o índice germânico Ifo recuou para 106,3 este mês face aos 108 de Julho (os analistas esperavam um resultado final de 107). Este índice, que mede o clima empresarial a partir de uma base de consulta alargada – 7000 companhias alemãs –, está a cair há quatro meses consecutivos, algo que não acontecia desde o pico da crise do euro, em 2012.

Apesar de abrir caminho para “um ajuste da política monetária”, Draghi deixou claro, no entanto, que não é ao BCDE que compete fazer tudo. E deixou um desafio aos governos do espaço da moeda única, ao defender que, além da política monetária, há também algo a fazer em matéria de política orçamental, porque o nível de despesas governamentais e de impostos, face ao PIB, “encontram-se entre os mais elevados do mundo".

Com a previsível mudança de posição do BCE e uma passagem à acção que muitos analistas apontam para o final do ano, os mercados financeiros viveram um dia de festa. No terreno das bolsas, a maré verde invadiu a Europa. O ganho mais substancial foi apurado em Milão, com o índice local a crescer 2,3%, destacando-se, logo a seguir, o Euro Stoxx 50, que agrupa as 50 mais fortes cotadas da Europa, a ganhar 2,15%. Paris (2,1%) e Frankfurt (1,83%) seguiram-lhe os passos. Mais modesta foi a valorização Em Lisboa, onde o PSI 20 fechou a ganhar 1%.

No mercado secundário de dívida pública, a celebração das palavras de Draghi fez com que os títulos germânicos a dez anos vissem os seus juros caírem para 0,93%, um mínimo histórico que se estendeu às obrigações portuguesas (perto dos 3%), italianas (2,46%) e espanholas (2,24%). O euro recuou, igualmente, para um mínimo de 11 semanas.

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