Argumentos jurídicos do Governo convencem BE sobre longas carreiras

Bloco diz que objectivo da lei é permitir que as pessoas com longas carreiras tenham acesso à reforma por inteiro e que ele está a ser cumprido. CDS faz pergunta formal ao Governo.

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Governo garante que a maioria das pensões benefica com o regime das longas carreiras contributivas Nuno Ferreira Santos

As explicações dadas pelo Governo sobre a forma como está a aplicar o regime da reforma antecipada aos trabalhadores com muito longas carreiras contributivas terão sido suficientes para convencer o Bloco de Esquerda (BE) de que as novas regras estão a cumprir o seu objectivo. Ou seja: permitir o acesso à reforma por inteiro, sem penalizações, a quem começou a trabalhar e a descontar antes dos 15 anos.

Ainda assim, num comunicado divulgado na terça-feira, o BE desafiou o executivo a esclarecer as “dúvidas interpretativas” suscitadas publicamente e que já levaram o PCP, o PSD e o CDS a enviarem perguntas ao ministro do Trabalho, Vieira da Silva, através da Assembleia da República. Na origem dessas dúvidas está a notícia do Negócios, que adianta que as pessoas que se reformam antecipadamente sem penalizações (ao abrigo do decreto-lei 126-B/2017) não são abrangidas pelas bonificações dadas a quem permanece no mercado de trabalho mais tempo.

O BE não concretiza as explicações que lhe foram dadas pelo Governo, mas terão sido suficientes para garantir que a lei está a ser cumprida. No comunicado, o Bloco lembra que o objectivo do novo regime da reforma antecipada que entrou em vigor em Outubro do ano passado é garantir que um trabalhador com 46 ou 48 anos de descontos, que trabalha desde criança, possa reformar-se sem penalizações e com a reforma por inteiro. “Esse princípio é garantido pela legislação em vigor”.

O partido faz questão de deixar claro que não defende incentivos ao adiamento da passagem à reforma por parte de trabalhadores que começaram a trabalhar quando eram crianças e que têm agora direito à reforma sem penalizações. “O sentido da protecção das longas carreiras é exactamente o oposto: permitir que as pessoas deixem de trabalhar, tenham acesso à reforma por inteiro, respeitando simultaneamente as gerações mais velhas e dando oportunidades de trabalho às gerações mais novas”, reitera o Bloco.

“A média de idade dos trabalhadores que obtiveram a pensão sem qualquer penalização ao abrigo deste regime, que é de 61 anos e 6 meses, aponta para o cumprimento desse objectivo”, acrescenta, lembrando que os trabalhadores podem sempre optar pelo regime anterior e pelas regras que prevêem bonificações.

O novo regime permite que os trabalhadores com 48 anos de carreira contributiva ou que, tendo 46 anos de carreira, começaram a descontar antes dos 15 anos possam reformar-se antecipadamente sem cortes na pensão. Ou seja, deixa de ser aplicado o corte do factor de sustentabilidade (14,5% em 2018) e as penalizações de 0,5% por cada mês de antecipação face à idade normal de acesso à pensão de velhice. A questão é que nestes casos, a Segurança Social não está a ter em conta a bonificação de 0,65% dada por cada mês além da idade, atenuando as vantagens do novo regime. Por outro lado, durante a discussão do diploma essa questão nunca sequer se colocou.

Questionado pelo PÚBLICO por duas vezes, o ministério do Trabalho não explicou por que razão não está a aplicar as bonificações a quem se reforma ao abrigo do decreto-lei 126-B/2017.

Porém, o PÚBLICO sabe que o entendimento do Governo é que o próprio decreto-lei exclui os trabalhadores com longas carreiras contributivas das bonificações previstas no regime geral.

Essa interpretação assenta no facto de o artigo 36º (relativo ao montante da pensão antecipada) excluir do seu âmbito de aplicação as pensões abrangidas pelo regime das muito longas carreiras. E como o artigo relacionado com a bonificação (artigo 38.º da Lei 4/2007) se destina aos beneficiários a quem seja aplicável o regime de antecipação previsto no artigo 36.º, os serviços de Segurança Social entendem que as pessoas que se reformam ao abrigo do regime das longas carreiras contributivas não são abrangidas.

Ou seja, o entendimento do Governo é que quem se reforma sem penalização não tem direito às bonificações. Porém, o ministro do Trabalho também já disse que as novas regras beneficiaram a esmagadora maioria dos processos deferidos entre 1 de Outubro de 2017 e 16 de Março.

Vieira da Silva adiantou que, das 9714 pensões deferidas, 99% beneficiam do novo regime, com pensões mais elevadas (sem penalizações e sem factor de sustentabilidade) e apenas 1% tem cálculo superior do valor da sua pensão com a aplicação do regime da flexibilização (ou seja, com factor de sustentabilidade).

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