Governo e BE acusam PSD de "antipatriotismo"

Sociais-democratas testam resistência do PCP na geringonça. Costa diz estar a cumprir o que prometeu e garante que não haverá plano B nem medidas adicionais.

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O Governo PS na discussão do Estado da nação Daniel Rocha
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Catarina Martins na defesa das políticas levadas a cabo pelo Executivo de Costa Daniel Rocha
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PSD em pé para apoiar o seu líder Daniel Rocha

Com o fantasma das sanções a pairar no hemiciclo, Governo e Bloco apareceram no debate afinados no mesmo discurso de ataque ao "antipatriotismo" do PSD. Já o PCP insistiu na mensagem frontalmente contra a Europa e foi o alvo do ataque dos sociais-democratas que parecem ver no partido de Jerónimo de Sousa a cavilha da granada que poderá fazer detonar a geringonça. Boa parte do passa-culpas sobre as sanções foi usada para esgrimir acusações sobre se as eventuais penalizações se devem à execução orçamental do actual Governo ou apenas remontam ao incumprimento dos objectivos estabelecidos com o executivo de Pedro Passos Coelho para o défice de 2015.

À mesma hora em que em Lisboa arrancavam as quase cinco horas do debate do estado da nação, Bruxelas acabaria por dar uma ajudinha a António Costa. A Comissão Europeia balizou a sua análise ao período entre 2013 e 2015 e o primeiro-ministro haveria de usar essa informação como arma de arremesso contra o seu antecessor. Sem nunca se referir às sanções, Costa defendeu que o Governo está a cumprir o que prometeu e a solucionar problemas herdados, garantiu que não haverá plano B nem medidas adicionais e que o país sairá este ano do procedimento por défice excessivo.

O líder da bancada socialista foi a primeira voz – e a mais dura – a acusar o PSD de não defender o interesse nacional em Bruxelas ao denegrir a execução orçamental de 2016. “Para tramar o Governo, não se importam de atrapalhar o seu próprio país. Assim se vê o ponto a que se chegou no PSD: o ponto zero do orgulho português”, lançou Carlos César, provocando a primeira pateada da tarde – até Passos Coelho bateu na mesa.

António Costa reforçou esta acusação dizendo mesmo que o PSD “não resistiu à tentação da mesquinhez partidária, procurando atacar a execução de 2016 para encobrir o fracasso da sua execução de 2015”. E o seu ministro do Planeamento e das Infraestruturas acusou Passos e Maria Luís de “tentarem minar a credibilidade interna e externa do Governo apenas para limparem a sua imagem”. De Augusto Santos Silva veio outra achega: a liderança do PSD parece “fazer depender o seu sucesso político particular do insucesso do país”.

A líder bloquista viria ajudar os socialistas ao afirmar que PSD e CDS estão a “gostar” de ver o país envolvido no processo de penalizações. “Mas a direita, pela voz de Maria Luís Albuquerque, Pedro Passos Coelho ou Assunção Cristas, está a gostar de ver o país sob este ataque (…) Posso estar enganada, espero estar enganada, mas a ideia que fica é que neste campeonato a direita está a torcer pela Alemanha”, afirmou Catarina Martins num discurso muito crítico da Europa. Mais tarde viria mesmo a reiterar a ideia de um referendo à “construção europeia”, argumentando que se primeiro a proposta bloquista gerou um “choque”, agora já se discute “como” fazer essa consulta aos portugueses.

Apesar de sucessivamente acusado de anti-patriotismo, o líder do PSD não recorreu ao mecanismo habitual nestas situações que permite a um deputado pedir a defesa da honra da bancada. Só numa segunda intervenção se defendeu. “Nós podemos ter muitas divergências políticas, não estar de acordo com decisões que tomámos. A velocidade com que fazem processos de intenção, seja do líder da sua bancada seja de outros intervenientes, é algo deplorável”, disse Passos Coelho a Costa. E dirigindo-se à bancada do PS, o líder social-democrata afirmou nunca ter acusado os socialistas de serem “menos patrióticos” quando debateu o processo de pré-bancarrota. “Isso sim, representa o grau zero da política”, rematou, levantando a sua bancada num longo aplauso de pé.

Já antes, na primeira interpelação ao primeiro-ministro, Passos fez uma comparação entre o país com bons indicadores que deixou ao sair de São Bento e o actual cenário cinzento em resultado da política de reversões de Costa. “Exacerbámos riscos orçamentais, adiámos despesa”, avisou. Se o líder do PSD citou números, a presidente do CDS recorreu a pequenos cartazes para ilustrar o abrandamento da economia sob a égide dos socialistas. O adiamento de pagamentos ou dos reembolsos de impostos também veio a lume e foi a deixa para Assunção Cristas lançar uma acusação ao Governo: “Isto cheira a mascarar as contas.”

PSD atira ao PCP

Passos começara a sua intervenção com uma avaliação sobre a maioria - “coerente, coesa e operativa” – e desejou que se venha a “revelar estável e duradoura”. Um tipo de discurso que fez sentido quando o deputado e seu ex-ministro da Defesa subiu à tribuna para a intervenção de fundo do PSD. Aguiar-Branco parece ter inaugurado uma nova estratégia social-democrata para testar a geringonça.

Lembrou, cirurgicamente, que “José Sócrates só esteve no poder o tempo que o PCP quis. E foi em nome de um governo patriótico e de esquerda que o deixaram cair." Isto depois de considerar que o PCP, que “durante anos foi uma voz crítica” de todos os governos, foi, nestes últimos meses “mais do que cúmplice”, “tão responsável como” o Governo. Confrontou o PCP com os seus ideais de justiça, igualdade e apoio aos trabalhadores e lealdade ao eleitorado, e lembrou até o líder histórico - “o que pensaria Álvaro Cunhal destas medidas [do Governo PS]?”.

Mas foi à consciência do próprio Jerónimo de Sousa que o social-democrata apelou: “Mais do que qualquer outra pessoa tem a noção de que há um limite para os sapos que se engolem. E como homem sério que é… há muito que já deve ter passado esse limite.” Na bancada comunista foi nítido o desconforto, Jerónimo agradeceu depois a “atenção dada ao PCP” mas aproveitou para deixar algumas críticas ao Governo afirmando não ser “ainda o justo, necessário e possível o que se conseguiu” nestes meses de governação socialista com a ajuda do resto da esquerda. A sua intervenção foi, no entanto, dominada pela crítica à União Europeia e à necessidade de Portugal se libertar das amarras de Bruxelas, insistindo na reversão dos tratados. Já antes, Costa disse não partilhar a sua visão sobre as instituições europeias e argumentou que fora da UE Portugal teria sempre “mais dificuldades”.

A tese ensaiada por Aguiar-Branco foi, de certa forma, retomada pelo vice-presidente da bancada do CDS embora apenas criticando a tolerância dos partidos mais à esquerda face a algumas situações. “A esquerda mais radical já não é o que era (geringonça oblige, diria eu) e está claramente silenciada”, apontou o deputado Telmo Correia, referindo como exemplo o anúncio de despedimento de 2500 trabalhadores da CGD. “Alguém ouviu o PCP ou o BE? É o preço da geringonça”, disse.

De um modo geral, BE, PCP e PEV fizeram a apologia das reversões de rendimentos e políticas sociais do Governo. A ecologista Heloísa Apolónia deixou um apelo ao chefe de Governo: “A marca [da política virada para as pessoas] não pode ser descurada nas posições conjuntas assinadas.” A deputada estaria já com o Orçamento de Estado para 2017 na mira, mas António Costa deu uma resposta curta, apenas assegurando que o Governo irá, “passo a passo”, continuar a “melhorar o dia-a-dia dos cidadãos”. Já André Silva, do PAN deixou um alerta sobre o impacto de uma possível suspensão dos fundos comunitários – uma das sanções possíveis – na agricultura.

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