Um falso documentário inspirado no desaparecimento real de Michel Houellebecq

Em 2011, Michel Houellebecq desapareceu durante alguns dias. O realizador Guillaume Nicloux imagina que o escritor foi raptado por três criminosos amadores e conta a história em registo documental.

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O escritor anunciou sexta-feira a saída de Paris para local incerto na província francesa DR
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Michel Houellebecq na apresentação do filme num hotel de Madrid na sexta-feira, 22 de Agosto AFP PHOTO/ PEDRO ARMESTRE

Mostrado pela primeira vez em Fevereiro no festival de cinema de Berlim, o filme L’Enlèvement de Michel Houellebecq estreia-se esta quarta-feira no canal televisivo Arte, depois de ter passado também pelo festival Tribeca, em Nova Iorque, onde recebeu o prémio de melhor argumento.

Realizado por Guillaume Nicloux, é um objecto difícil de catalogar, já que nem se trata de pura ficção nem de um verdadeiro documentário : o escritor Michel Houellebecq, vencedor do prémio Goncourt em 2010 com O Mapa e o Território, representa-se a si próprio, e o enredo inspira-se em factos reais, mas não pretende ser-lhes fiel.

O filme de Nicloux chega às salas de cinema espanholas no dia 29, sexta-feira – Houellebecq viveu na Anadaluzia –, mas ainda não tem estreia comercial prevista em Portugal.

Os factos nos quais se inspirou o realizador apareceram nas primeiras páginas de jornais de todo o mundo : em Setembro de 2011, a meio de uma digressão para promover O Mapa e o Território na Holanda e na Bélgica, Michel Houellebecq, a grande estrela da literatura francesa actual, desapareceu sem aviso e sem deixar rasto.

Ninguém o conseguia contactar : nem a sua editora, a Flammarion, nem o seu agente literário, nem os organizadores da digressão. O escritor não respondia a emails, a sua página no Facebook desaparecera, o seu número de telefone estava desactivado. Espalharam-se pela Internet as explicações mais desvairadas. O autor de As Partículas Elementares, conhecido pelos seus sarcasmos sobre o Islão, teria sido sequestrado pela Al-Qaeda. Ou então, garantiam outros, fora raptado por extra-terrestres, talvez interessados na raça de neo-humanos que o autor imaginara em A Possibilidade de Uma Ilha.

Para apimentar um pouco mais o incidente, todos os que tinham lido O Território e o Mapa se lembravam de que o livro incluía uma personagem chamada Houellebecq que gostava de desaparecer do convívio mundano, refugiando-se numa casa da costa irlandesa (onde o autor também viveu). No romance, Jed Martin, o protagonista, tenta desesperadamente encontrá-lo, mas sem êxito.

Quando o Houellebecq propriamente dito reapareceu, três dias depois, contou que a linha telefónica  da sua casa de Almería, em Espanha, onde então morava, tinha sofrido uma avaria. Uma explicação decepcionantemente trivial, mas não muito mais credível do que o rapto por marcianos.

A questão ficou sempre em aberto, e foi nesse ponto que Guillaume Nicloux lhe pegou, propondo a sua própria solução para o enigma. Tinha sido mesmo um rapto, mas os sequestradores não eram marcianos nem muçulmanos radicais. Eram três amadores, funcionando como intermediários, e que tinham levado o escritor para uma casa isolada em plena província francesa.

O filme de Nicloux é o retrato da improvável relação que se estabelece entre o sofisticado Houellebecq e os três marginais que o sequestram. Mantêm conversas delirantes, às vezes absurdas e cómicas, outras vezes comoventes. A fragilidade física de Houellebecq contrasta com a ostensiva virilidade dos seus raptores – um pratica culturismo, outro intressa-se pelo boxe tailandês. Houellebecq, que fuma e bebe quanto baste ao longo desta espécie de falso documentário, dirá depois que se reconhece mais neste filme do que as páginas dos seus livros.

O realizador garantirá que todas as cenas de L’Enlèvement de Michel Houellebecq foram gravadas à primeira, e em tempo real, tal como foram vividas. E conta que há um momento em que, depois de muitas insistências de Houellebecq, o deixam guiar um carro. O escritor viaja com um dos seus sequestradores, também ele interpretado por um actor amador.  Sucede que Houllebecq acelera até aos 300 km/hora, deixando em pânico o seu passageiro, tanto mais que este sabia que o autor deixara redigido um testamento antes de entrar no carro. O actor, diz Nicloux, receou que Houellebeck tivesse mesmo decidido suicidar-se.

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