Houellebecq ganhou o Goncourt com um livro menos provocatório

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O polémico escritor, considerado o enfant terrible da literatura francesa contemporânea, tinha já estado nomeado para o prémio duas vezes Benoit Tessier/Reuters

Foi com "La Carte et le Territoire", um livro menos provocatório que os anteriores, marcado por uma profunda melancolia, e em que ele próprio é violentamente assassinado, que Michel Houellebecq recebeu, finalmente, o Goncourt, o mais prestigiado prémio literário francês.

O "Libération" escreveu mesmo, a propósito deste livro editado em França em Setembro e ainda sem edição prevista para Portugal, que "se alguma polémica se adivinha, ela pode apenas ser em torno deste excesso de moderação".
Há dez anos que Houellebecq esperava o Goncourt. O escritor francês, de 52 anos, foi nomeado pela primeira vez em 1998 com o livro "As Partículas Elementares" (editado em Portugal pela Temas e Debates), e sete anos mais tarde com "A Possibilidade de Uma Ilha" (Dom Quixote). Mas de ambas as vezes o controverso escritor, que tanto desperta paixões como ódios, viu o prémio escapar-lhe. Mesmo desta vez a votação do júri da Academia Goncourt não foi consensual: sete votos para ele e dois para Virginie Despentes e o livro "Apocalypse bébé".

Houve até uma tomada de posição particularmente violenta, do escritor Tahar Ben Jelloun, membro da Academia Goncourt, que escreveu um texto para o jornal italiano "La Repubblica" atacando o livro, e disse que Houellebecq "voltou-se para ele próprio porque não sabe o que mais há-de inventar." À parte isso, o lançamento foi marcado apenas por uma polémica menor na qual o escritor foi acusado de plagiar notícias tiradas da Wikipédia.

A reacção de Houellebecq ao prémio foi, no mínimo, convencional - declarou-se "profundamente feliz". "Há pessoas que só ouvem falar de literatura contemporânea graças ao Goncourt, e a literatura não está no centro das preocupações francesas, por isso [o prémio] é significativo", disse aos jornalistas. Longe, portanto, das grandes tiradas polémicas, como quando, em 2001, disse que "a religião mais idiota é o islão".

Agora, nas entrevistas, Houellebecq não quer comentar a actualidade. Quer apenas falar de literatura e deste seu quinto romance, a história de um artista, Jed Martin, que pede a um escritor chamado Michel Houellebecq que lhe escreva o prefácio para o catálogo da sua exposição - na qual exibe reproduções de mapas da Michellin e que se intitula "O mapa é mais interessante do que o território".

O escritor assassinado

Houellebecq-personagem terminará brutalmente assassinado juntamente com o seu cão, e desfeito em pedaços de tal forma que homem e cão se confundem. Os vizinhos dirão depois que ele "tinha muitos inimigos", mas também que as pessoas "foram injustamente agressivas e cruéis para com ele" - um auto-retrato irónico mas também amargurado de um homem que confessou à revista Les Inrocks que precisa que gostem dele, porque "todas as críticas violentas representam um perigo íntimo real", podendo acentuar nele a misantropia, tornando-o parecido com o pai, com quem teve uma relação difícil (tal como com a mãe, aliás).

Esse carácter misantropo é já uma das suas características. Descreve o "Le Monde": "Um tom gelado, uma frieza de julgamento desconcertante, uma ausência de afecto que os seus adversários não lhe perdoam. Sem parecer comover-se, mas com uma intensa vitalidade, Houellebecq aponta as derivas e as monstruosidades da modernidade, fazendo surgir uma grande estranheza sob o quotidiano trivial da sociedade de consumo."

Houellebecq-personagem e Jed Martin são apenas formas de Houellebecq-escritor falar do envelhecimento, da relação com o pai, do amor, e da França de hoje (como sempre entram no livro várias figuras públicas com os próprios nomes), transformada num paraíso turístico.

"Em que estado estavas quando escreveste La Carte...?", pergunta-lhe o jornalista da "Les Inrocks". "Tinha frio. [...] E estava triste. Possivelmente porque pensava muito no carácter irremediável da velhice. Tristeza e frio físico. Mas isso permite-me também ser engraçado, mesmo se um pouco melancólico."

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