Blinken e Lavrov conversaram cara a cara num G20 sem novidade

Diplomata americano diz ter pedido ao homólogo russo para acabar com a guerra na Ucrânia e regressar ao tratado bilateral de armamento nuclear. Lavrov acusa Ocidente de incentivar a guerra.

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Esta é a fotografia em que Blinken e Lavrov surgem mais próximos na cimeira dos ministros dos Estrangeiros do G20, em Nova Deli POOL/Reuters

Não terão sido mais do que dez minutos, mas bastaram para que uma reunião do G20 que se previa sem história ganhasse um novo interesse. Antony Blinken e Sergei Lavrov, respectivamente os chefes da diplomacia dos Estados Unidos e da Rússia, conversaram cara a cara nos corredores da cimeira, naquele que se presume que tenha sido o primeiro encontro entre ambos desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, há mais de um ano.

Numa conversa “em andamento”, que ambos os lados dizem não ter sido previamente agendada, o secretário de Estado norte-americano garantiu ao ministro dos Negócios Estrangeiros russo que o apoio dos Estados Unidos à Ucrânia não vai esmorecer e pediu o regresso da Rússia ao tratado sobre armamento nuclear New START.

“Acabem com esta guerra de agressão, empenhem-se numa diplomacia significativa que produza uma paz justa e duradoura”, terá dito Antony Blinken a Lavrov, de acordo com o que o próprio diplomata americano explicou na conferência de imprensa que encerrou a cimeira. Não se sabe qual foi a resposta do interlocutor russo, mas um alto-funcionário americano que presenciou o encontro disse a vários meios de comunicação que não devia haver “qualquer expectativa de que as coisas mudem a curto prazo”.

Na sua conferência de imprensa, Sergei Lavrov não mencionou a conversa com o homólogo americano, mas deu-lhe uma resposta indirecta. “Eles pedem-nos que haja negociações, mas não me lembro de os colegas ocidentais pedirem à Ucrânia que faça negociações. Eles estão a encorajar a Ucrânia a continuar a guerra”, disse o diplomata russo, segundo a Associated Press.

Outro assunto que Blinken diz ter puxado para a conversa com Lavrov foi a anunciada saída da Rússia do tratado New START, assinado bilateralmente em 2010, que limita o número de ogivas nucleares que os dois países podem ter e permite a fiscalização mútua do seu cumprimento. Vladimir Putin já tinha suspendido a permissão de os americanos fazerem inspecções ao arsenal russo e, segundo a agência russa Tass, na quarta-feira assinou o decreto que suspende oficialmente a participação do país no tratado.

Antony Blinken chamou-lhe uma “decisão irresponsável” e afirmou que disse a Lavrov que “o cumprimento mútuo [do acordo] era do interesse dos dois países”.

Por fim, o terceiro assunto abordado naqueles dez minutos foi o da eventual libertação de Paul Whelan, um antigo fuzileiro americano que está preso na Rússia. Foi esse tema, aliás, que motivou a única conversa até agora entre Blinken e Lavrov nos últimos doze meses – por telefone.

“Visões muito polarizadas”

Depois do encontro de líderes em Bali, em Novembro, e da reunião dos ministros das Finanças na semana passada, o desfecho da cimeira de ministros dos Negócios Estrangeiros do G20 estava praticamente escrito de antemão. Em vez de comunicado conjunto, voltou a haver apenas um “resumo” e os parágrafos que criticam a invasão russa da Ucrânia e defendem a prevalência da lei internacional e a recusa de uso de armas nucleares foram rejeitados pela Rússia e pela China.

“Infelizmente, há um membro do G20 que não deixa que os outros 19 se foquem nos assuntos para os quais o G20 foi criado”, queixou-se a ministra alemã Annalena Baerbock, perante os homólogos, segundo a Reuters. A AP relata que os governantes de outros países, como Blinken ou a ministra francesa, seguiram a mesma linha discursiva.

Lavrov devolveu a acusação. “Algumas delegações ocidentais transformaram a agenda do G20 numa farsa, quiseram desviar a responsabilidade pelos seus falhanços económicos para a Federação Russa”, disse o ministro, citado em comunicado da delegação russa.

A inexistência de um comunicado conjunto é a prova de que existem “visões muito polarizadas” sobre a guerra na Ucrânia, admitiu o anfitrião da cimeira, o ministro indiano Subrahmanyam Jaishankar. Consciente disso, o primeiro-ministro Narendra Modi tinha aproveitado o discurso inaugural para pedir aos países que pusessem de parte “as tensões geopolíticas do dia” para “alcançar resultados concretos”.

“Não devemos permitir que os assuntos que não conseguimos resolver juntos se interponham no caminho daqueles que conseguimos”, disse Modi, acrescentando: “No momento em que se encontram na terra de Gandhi e de Buda, rezo para que encontram inspiração no ethos civilizacional da Índia – focarmo-nos não no que nos divide, mas no que nos une.”

Os chefes de Estado e de Governo dos países do G20 deverão encontrar-se em Nova Deli mais para o fim do ano.

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