Programa do Governo assenta nos investimentos e reformas do PRR

Texto entregue no Parlamento ignora avisos do ex-ministro do Planeamento sobre a necessidade de rever prazos e orçamentos do PRR, que surge como o pilar do investimento para quatro anos.

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Mariana Vieira da Silva, número dois do Governo e ministra da Presidência, tutela os fundos comunitários, incluindo os 16.643 milhões do PRR LUSA/ANTONIO PEDRO SANTOS (arquivo)

O programa do Governo para a nova legislatura apoia-se fortemente no Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), tal como sucedia já no programa eleitoral do PS. O texto entregue no Parlamento esta sexta-feira repete “a papel químico” todas as referências ao PRR, uma coincidência que já seria expectável dado que o PRR, que termina em 2026, coincide com o mandato deste terceiro executivo liderado por António Costa.

Enquanto candidato a primeiro-ministro, Costa insistiu muito na importância do PRR para os próximos quatro anos. “Do que o país precisa não é de mudanças no PRR, não de paragens, não é de hesitações ou renegociações. O que o país precisa é de uma maioria sólida que acelere a execução do PRR”, disse durante a campanha eleitoral.

A votação nas legislativas deu-lhe essa “maioria sólida” - uma maioria absoluta no Parlamento - e agora o programa do Governo é o PRR e o PRR é o programa do governo.

Embora o ex-ministro do Planeamento (que não foi reconduzido no cargo e viu o seu ministério reduzido a uma secretaria de Estado) tenha admitido, antes de dizer adeus ao Governo, que vai ser preciso ajustar orçamentos e calendários do PRR, o texto agora apresentado mantém intacto o que dizia o PS em Janeiro, colocando-o no papel de pilar das reformas e dos investimentos para os próximos quatro anos e meio. Não há qualquer referência neste documento a uma vontade de debater com Bruxelas a necessidade de ajustar orçamentos ou rever calendários.

O PRR tem 16.643 milhões de euros para Portugal, a maioria a fundo perdido. Antes da despedida, o então ministro Nélson de Souza - cuja tarefa de gerir fundos europeus fica concentrada num núcleo político composto por António Costa, Mariana Vieira da Silva e Eduardo Pinheiro (que transitou da secretaria de Estado da Mobilidade para a do Planeamento e fica na dependência da ministra da Presidência) -, alertou no PÚBLICO: “A Comissão Europeia deve estar aberta para que os PRR possam ser flexibilizados para um contexto que produz fortes alterações nas condições de desenvolvimento de alguns destes projectos. Sabemos dos impactos fortemente assimétricos e não tenho dúvidas que o PRR e o seu regulamento não podem permanecer imutáveis e insensíveis. Mas não é para mudar a sua natureza.”

Porém, nem a guerra na Ucrânia, nem a inflação, nem os avisos que têm surgido contra eventuais dificuldades e derrapagens na execução do PRR devido aos riscos de conjuntura, levaram a qualquer actualização do que propunha o PS na campanha eleitoral de Janeiro. Isto apesar de se avolumarem os alertas de que é preciso rever. Muito antes de se acentuar esta escalada inflacionista, já o sector da construção (que tem um papel fundamental no programa de obras a financiar pelo PRR) alertava que "o aumento dos custos na construção põe em perigo execução do PRR". Tal foi dito em Junho de 2021.

Agora, em matéria de fundos europeus, o Governo repete o que tinha dito o PS: fechar o PT 2020 até 2023; assinar o acordo de parceria para o PT 2030 no primeiro semestre deste ano; e criar um “simplex” para os apoios comunitários, com “menos burocracia, mais transparência”, colocando “os fundos europeus ao serviço da convergência com a União Europeia”.

O texto entregue pela ministra dos Assuntos Parlamentares ao presidente da Assembleia da República conserva as 44 referências ao PRR que já constavam no programa eleitoral do PS. São menos do que as menções a empresas (132) naquele documento de 192 páginas, e do que Estado (126), mas muitas mais do que a guerra na Ucrânia, que não existia quando o programa do PS foi elaborado e que agora merece quatro referências no programa do Governo, apesar de ter saltado para o topo das preocupações mundiais devido às consequências económicas que acarreta.

Tendo apoio parlamentar garantido para reformas legislativas prometidas a Bruxelas ao abrigo do PRR e cuja aprovação terá de passar pela Assembleia da República, o Governo aposta, por isso, em recorrer aos fundos comunitários extraordinários que a Comissão Europeia disponibilizou para mitigar o golpe da pandemia nas economias europeias e fá-lo-á para financiar diversos domínios, tal como de resto estava previsto. Da Defesa à Transição Digital no sector público e privado, do SNS à habitação, da Transição Climática à construção de estradas e de investimentos nas redes de transportes públicos, o PRR surge como o pilar fundamental dos compromissos assumidos pelo executivo.

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