“Sou muito bom guerreiro com uma faca”: chef ucraniano serve refeições gratuitas a refugiados

Em Lviv, Ievgen Klopotenko tem cozinhado para quem, por culpa da guerra, teve de deixar a sua casa. Basta chegar ao restaurante e pedir o “menu número dois”.

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O chef Ievgen Klopotenko Reuters/ALKIS KONSTANTINIDIS
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A sala de refeições do pequeno bistrô Reuters/ALKIS KONSTANTINIDIS

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia há mais de mês, o instinto de Ievgen Klopotenko não o levou a pegar numa arma e juntar-se ao exército do seu país, mas, sim, a arregaçar as mangas: o conhecido chef começou a cozinhar para os que mais precisam. Um dos seus restaurantes, em Kiev, serviu de abrigo e, agora, em Lviv está a alimentar quem está a caminho das fronteiras.

Há pouco mais de uma semana, Ievgen Klopotenko abriu, em Lviv, o restaurante Inshni, que, em ucraniano, significa “Outros”. Pode parecer estranho abrir um novo espaço em pleno conflito, mas o propósito do chef é mesmo ajudar os que fogem das suas casas e passam por esta cidade antes de chegar à Polónia. Para todos os que pedem o “menu número dois”, a refeição é gratuita.

“Percebi que não sou muito bom com armas, mas sei que sou muito bom guerreiro com uma faca”, diz, com humor, o chef, em declarações à Reuters. “O meu objectivo e missão na vida é alimentar as pessoas”, declara Klopotenko, um nome conhecido em todo o país. É isso que tem feito no novo espaço, que confirma receber sobretudo refugiados à mesa, apesar de também venderem refeições.

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O financiamento do Inshni vem do próprio bolso de Ievgen Klopotenko, de doações e dos clientes que comem o menu principal. Mas engane-se quem pensa que o “menu número dois” é feito apenas com o que sobra. Numa fotografia da cozinha partilhada, há alguns dias, o chef dava conta do menu do dia: salada de frango e alcachofras e, para sobremesa, cheesecake. “Muitas pessoas visitam o nosso bistrô Inshni. Não esperávamos isso. A sensação de casa é criada pelas pessoas que vêm. Com alho, trigo-sarraceno, banha e palavras quentes”, escreveu.

Entre os comensais, está Olena Severinova, forçada a sair da sua casa na região de Donetsk, na sequência dos bombardeamentos e dos avanços das forças russas. Desde que chegou a Lviv, tem vindo todos os dias ao restaurante de Ievgen Klopotenko. “Fui forçada a encontrar um novo sítio para viver por causa da guerra”, conta a mulher de 73 anos, entre lágrimas. “Obrigada a todos os que nos têm ajudado a salvar as nossas vidas… Ele [Ievgen] alimenta-nos sem cobrar nada”, agradece.

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A todos os que querem ajudar, incluindo a alimentar os deslocados que Klopotenko tem alimentado, o chef deixa uma ideia: comprar o seu curso online de culinária, leccionado em ucraniano. Ao comprar o curso, que ensina os básicos da cozinha nacional, com mais de 30 receitas, todos os lucros são para este projecto. A formação está disponível a partir de 850 hryvnias, a moeda ucraniana (pouco mais de 25 euros).

Embaixador da cozinha tradicional ucraniana

Ievgen Klopotenko tornou-se conhecido ao vencer a edição ucraniana do concurso Masterchef, em 2015. Desde então tem sido um conhecido defensor da cozinha nacional e em colocar o borscht, uma sopa típica de beterraba e repolho, como património cultural imaterial da Unesco. A Rússia tem procurado reclamar a propriedade da receita, dizendo que seria tradicional dessa nação, algo a que o chef se opõe veementemente.

O papel de Klopotenko na divulgação gastronómica tem sido reconhecido e, aos 34 anos, integra a 50 Next, a lista de personalidades ligadas à gastronomia a que o mundo deve estar atento. No canal de YouTube, onde acumula mais de 220 mil subscritores, partilha receitas tradicionais, sobretudo em ucraniano. Na semana passada, publicou a receita de borscht e pretende continuar a fazer vídeos em inglês, para angariar fundos para o seu país e, ao mesmo tempo, divulgar a cultura ucraniana.

Desde o início da guerra, o chef tem usado a sua influência para apoiar o país. Enquanto ainda estava em Kiev — onde é dono do restaurante 100 rokiv tomu vpered — tornou a cave do espaço num abrigo contra os bombardeamentos. “Isto é a guerra na Ucrânia e cada ucraniano está a fazer o seu melhor para ajudar. Porque não nos deixamos uns aos outros. Estamos nisto juntos, é esse o nosso poder”, escreveu, então, no Instagram.

Têm saído da Ucrânia cerca de 110 mil pessoas todos os dias, calcula-se que sejam já perto de 6,5 milhões de deslocados. De acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, até agora, Portugal concedeu protecção a mais de 22 mil cidadãos. Mais de oito mil dos pedidos representarão crianças e adolescentes com menos de 18 anos.

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